Sigilo por decreto

Segredo que é repassado deixa de ser segredo. Mesmo que o segredeiro, na aparente tentativa de preservar o segredamento, exija sigilo absoluto do “segredado”. De segredista em segredista, um segredo assim vira dessegredo, ou – como no jargão popular – bisbilho, bisbilhotice. Coisa que desagrada muito mesmo aos segredosos, bisbilhoteiros, comadres…

Pois o governo quer dessegredar os segredos. Mesmo aqueles garantidos pela Constituição e que só são abertos pela Justiça diante de evidências convincentes de crime e coisas do gênero, cujas vazamentos foram rotulados de denuncismo na recente maré de acusações contra os presidentes do Banco Central, do Banco do Brasil e quejandos.

Antes de prosseguir, ocupemo-nos de um tema correlato: notícias recém-vindas de Brasília dão conta de que o presidente Lula está pronto para baixar decreto através do qual impedirá os servidores em geral, inclusive técnicos, delegados, chefes de departamento ou diretores de repartições, de darem informações sobre investigações a jornalistas ou veículos de comunicação. A omertà está prestes a ser total no serviço público, tornando a Lei da Mordaça pretendida sobre o Ministério Público um arremedo de tentativa no cerceamento pretendido à liberdade de imprensa, travestido de preservação da governabilidade.

Voltemos ao tema anterior. Trata-se de outro decreto, também pronto para publicação, segundo também notícias vindas de Brasília. Através dele, o presidente Lula da Silva se prepara para permitir que o sigilo bancário ou telefônico de pessoas físicas ou empresas, depois de quebrado pela Justiça a pedido da polícia ou do Ministério Público, seja compartilhado pelos demais órgãos do governo que se ocupam de investigações. Em outras palavras, sigilo quebrado para um, quebrado para todos.

Até agora, a quebra de sigilo legal tem validade exclusiva e não pode ser repassada. Tanto que se algum órgão da União tiver alguma investigação em curso sobre a mesma pessoa ou empresa com sigilo quebrado em outra investigação, não pode compartilhar os dados. Pela nova proposta, se a Polícia Federal conseguir a quebra de sigilo de alguém, imediatamente outros órgãos do governo passarão a ter conhecimento daqueles dados revelados. Isso valeria para a Controladoria Geral da União, para a Agência Brasileira de Inteligência – Abin, para a Receita Federal, para o Banco Central, para a Comissão de Valores Mobiliários, para a Secretaria de Defesa do Direito Econômico, para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, para o Tribunal de Contas da União, etc. E vice-versa, isto é, o sigilo quebrado a pedido de qualquer desses órgãos acabará sendo segredado a todos os demais órgãos que se ocupam da vida, dos negócios e obrigações dos cidadãos e empresas brasileiras.

Em tese, o recurso é extremamente importante no combate à lavagem de dinheiro e à corrupção que grassa no País, dizem os burocratas que se ocupam de dar respeitabilidade ao Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro – GGI-LD. Eles tiveram já duas reuniões para o alinhamento de idéias e elaboração da minuta que está subindo às mãos presidenciais.

É isso aí. Enquanto pretende calar o funcionalismo para – o endereço final é este! – calar a imprensa, o governo avança no estudo da arte da bisbilhotice. Mas alegando denuncismo que nasce na vertente da quebra do sigilo, manobra para proteger o que, conseqüência da devassa legal, não quer ver inscrito no currículo de gente que lhe serve na primeira linha. Seria melhor que o governo se ocupasse do que é, de fato, importante para a sociedade viver feliz: saúde, segurança, escola, habitação, estradas, moradia. O resto é coisa de comadres.

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