Sigilo furado

A ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, que comanda as providências resultantes das ações e investigações da Polícia Federal na Operação Navalha, tomou uma decisão corajosa. Aliás, mais uma, pois suas ações têm sido marcadas por essa virtude. Ela decidiu quebrar o sigilo do inquérito que investiga o esquema das fraudes em licitações para realização de obras públicas, chefiado pela construtora baiana Gautama. O STJ explica que a ministra decretou a quebra do sigilo porque ?todos os trâmites processuais estão sendo acompanhados de perto pela mídia, sendo inevitável a ostensividade das providências a serem adotadas na esfera judicial.? Para a ministra, a decisão foi necessária ?pela esteira de boatos e maledicências que pairam sobre pessoas que nenhum envolvimento têm com os fatos em apuração, e pela necessidade constante de alinharem-se os órgãos do Estado para, conjuntamente, adotarem as providências cabíveis dentro de suas competências e atribuições?.

A quebra do sigilo já havia sido defendida pelo ministro Tarso Genro, da Justiça, que propugnava por uma ?retificação na legislação?. Na opinião do ministro, ?à medida que os advogados têm direito de acesso a tudo, não há nenhum motivo mais para o cerceamento da informação. Não faria nenhuma objeção a que houvesse alguma modificação legal nesse sentido. Acho até adequado?, afirmou Tarso Genro. A decisão da ministra, que dispensou modificações na legislação por entender desnecessárias, tem muitas conseqüências. A mais evidente é que, doravante, a imprensa terá acesso livre no andamento da Operação Navalha, trazendo ao público tudo o que considerar relevante. Até agora, o que se tem visto é uma ação quixotesca dos jornalistas, que, vencendo barreiras às vezes quase intransponíveis e arriscando-se a dar curso a notícias incompletas e imprecisas, procuram fazer com que o povo saiba dos passos dados por malfeitores, políticos ou não, na caça aos dinheiros dos cofres públicos, concorrências fraudulentas, superfaturamentos e outras maracutaias que sempre aconteceram neste País. Mas que nunca foram tão largamente escancaradas.

Outra conseqüência é que fecha a boca daqueles congressistas que vinham protestando contra a Polícia Federal porque entendiam que ela é a responsável pelos vazamentos de informações. E, entre estas, está a da existência de uma lista de políticos, dezenas, com presentes e valores ao lado de cada nome, o que faz crer que estavam no rol de beneficiários da máfia das obras públicas. Agora, poderão saber se há a lista. E, se existir, conferirão se nela estão seus nomes e que mimos lhes foram destinados (ou entregues). Outra conseqüência é retirar o argumento dos suspeitos e de seus advogados, que tem permitido sua soltura através de habeas corpus pelo Supremo, de que o sigilo cerceia a sua defesa. Este argumento livrou até mesmo Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, o ?capo? da máfia.

A decisão da ministra Eliana Calmon é corajosa e os argumentos que a embasam a justificam plenamente. A opinião pública certamente agradece. Mas há quem se insurja contra a medida e com argumentos que devem ser levados em consideração. Flávio Pansieri, presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, considerou absurda a declaração do ministro Tarso Genro. ?A não ser que realmente estejamos em um Estado policial?, disse ele, ?pois no Estado democrático de direito onde deveríamos estar inseridos a idéia central é a tutela do cidadão e não a sua destruição perante a mídia para depois obter um pedido de desculpas pífio?, disse o jurista.

Verdade, mas em termos, pois numa época em que a internet permite que verdades e até mentiras sejam globalizadas, o que a mídia publicar a respeito da Operação Navalha poderá ter o caminho que lhe couber, inclusive o da confirmação da verdade. Senão, que venham os desmentidos e os processos por calúnia, injúria e/ou difamação.

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