SFT rejeita suspensão de processo contra José Dirceu

O deputado federal José Dirceu (PT-SP) sofreu hoje uma derrota decisiva no Supremo Tribunal Federal (STF), com a rejeição do pedido para que fosse suspenso o processo de cassação aberto contra ele na Câmara. Por 7 votos a 3, o STF rejeitou o argumento central da defesa de Dirceu: de que ele não poderia ser processado por quebra de decoro parlamentar por suposto ato praticado na época em que exercia o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Diante do placar, não há impedimentos jurídicos para que o plenário da Câmara vote na próxima semana a cassação do deputado.

Dirceu é acusado de ser o mentor político do esquema de arrecadação de caixa 2 do PT e de distribuição de propina para parlamentares, mais conhecido como ‘mensalão’. A maioria dos ministros concluiu que, apesar de estar afastado da Câmara, ocupando um cargo no Executivo, Dirceu não estava livre de se comportar conforme os princípios éticos do decoro parlamentar. Ou seja, apesar de estar no Ministério na época dos supostos fatos e não na Câmara, ele deve responder a processo por quebra de decoro.

A ministra Ellen Gracie afirmou em seu voto que "quem está ministro pode responder, por congressista que é, por quebra de decoro parlamentar". Ela observou que os supostos atos praticados por Dirceu não são ministeriais e não têm nenhuma relação com a chefia da Casa Civil

Segundo Ellen, o fato de um deputado ocupar o cargo de ministro "é uma situação temporária e precária". "O parlamentar não está dispensado de ter comportamento compatível com a ética do Parlamento", disse a ministra. Ellen lembrou que é comum ministros-deputados pedirem licenças-relâmpago para voltar à Câmara e ajudar o governo em votações importantes no Congresso.

O julgamento durou 4 horas e meia. Apesar dos debates, o clima foi relativamente calmo e não foram vistos parlamentares na platéia. Durante o julgamento, ministros navegaram por sites jornalísticos nacionais e internacionais da Internet para buscarem informações de última hora. Os momentos de tensão do julgamento ficaram por conta do presidente do STF, Nelson Jobim, que foi um dos três a votar a favor do pedido de José Dirceu e é apontado como provável candidato a um cargo eletivo no próximo ano. Ele provocou colegas e criticou a decisão tomada pela maioria que, segundo ele, dá poderes excessivos ao Congresso.

Junto com Jobim, votaram a favor do deputado o relator do pedido no STF, Sepúlveda Pertence, e o ministro Eros Grau. Pertence lembrou que, ao assumir o cargo de ministro, o parlamentar perde a imunidade. Dessa forma, não poderia ser processado na Câmara por decoro parlamentar. Ele estaria sujeito a processo criminal e por crime de responsabilidade, que pode levar ao impeachment e que é julgado pelo Supremo. Eros Grau afirmou que uma pessoa não pode exercer ao mesmo tempo as duas funções – ministro e deputado.

Além de Ellen Gracie, votaram contra Dirceu os ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Carlos Velloso e Celso de Mello. Primeiro a votar contra o deputado, Barbosa disse que os atos imputados a Dirceu não são típicos de um ministro de Estado. Ele observou que o parlamentar é acusado de tentar interferir no Legislativo.

"O ministro de Estado que se investe em cargo de primeiro escalão do Executivo, porém oriundo do Parlamento, continua membro do Parlamento", afirmou o ministro Ayres Britto que, no início da semana, rejeitou um pedido de liminar feito por um grupo de cinco deputados petistas para tentar suspender a abertura de processos por quebra de decoro parlamentar.

O ministro observou que quando um parlamentar está licenciado, seja por motivo de doença ou particular, se ele pratica ato incompatível com o decoro estará sujeito a processo. "Decoro parlamentar deve ser interpretado como decoro do parlamentar, esteja ele onde estiver", afirmou Britto.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes citou o artigo 55 da Constituição Federal, segundo o qual é incompatível com o decoro parlamentar "o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas". Ele observou que na Constituição anterior estava expresso que essas vedações existiam "no exercício do mandato". Na de 1988, não há a expressão.

Entre outros argumentos, Gilmar Mendes disse que, ao tomar posse como ministro de Estado, José Dirceu optou por continuar a receber o salário de deputado federal. Mendes afirmou que se a tese de Dirceu fosse aceita pela maioria dos ministros do STF surgiria uma situação absurda, em que o parlamentar poderia escolher o melhor salário, mas se livraria do compromisso de agir conforme o decoro. Velloso concordou com o argumento: "Se ele está recebendo como parlamentar é porque tem mandato parlamentar."

Antes de analisar a tese defendida pelos advogados de Dirceu, de que ele não poderia ser processado por quebra de decoro porque estava exercendo um cargo no Executivo, os ministros do STF votaram uma preliminar, para decidir se o tribunal poderia julgar o assunto ou se era uma matéria doméstica do Legislativo. Por 9 votos a 1, o Supremo decidiu julgar o pedido de liminar.

Antes, os ministros analisaram se o pedido deveria ser submetido ao plenário já que, normalmente, as liminares são despachadas individualmente pelos ministros-relatores. Por 9 votos a 1, eles resolveram que o assunto poderia ser julgado pelo plenário porque envolvia matéria inédita e de grande repercussão. Se o plenário tivesse decidido não julgar, Dirceu seria beneficiado já que o voto do relator, ministro Sepúlveda Pertence, foi favorável a ele.

Apesar disso, Pertence disse não ter se arrependido de ter levado a decisão para o colegiado do STF. "Não me arrependo porque é um tema de alta relevância e que merecia ser julgado coletivamente. Sou um membro desse colegiado", afirmou o ministro, que, pouco antes, avaliou em entrevista que a decisão "efetivamente deu superpoderes à maioria parlamentar" e que poderia provocar temor nos futuros parlamentares que pretendam assumir o cargo de ministros.

Em data não prevista, o STF vai julgar o mérito do mandado de segurança movido por José Dirceu. Mas diante dos votos dados ontem, as chances de o pedido do deputado ser atendido são praticamente inexistentes. Ele quer que no mérito o Supremo determine o arquivamento do processo disciplinar.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo