A Declaração Universal dos Direitos Humanos
chega aos 63 anos, a “melhor idade”
Mais de sessenta anos. No próximo dia 10 a Declaração de Direitos Humanos passa a ser considerada idosa… Idosa, porém, bem “enxuta”. Bem atual. No seu corpo, ainda jovial mesmo com o passar do tempo, encontram-se direitos fundamentais que evoluíram (e ainda evoluem) e hoje estão consagrados nos mais diversos ordenamentos jurídicos mundo afora, por países que respeitam os Direitos Humanos.
Em nossa Constituiçãotemos uma reprodução clássica de várias de suas considerações essenciais, como: respeito às liberdades; à dignidade; presunção de inocência; proibição e repúdio à tortura; direito ao lazer; valorização do trabalho; igualdade entre homens e mulheres; repúdio a qualquer tipo de preconceito (no Brasil, aliás, isso é crime inafiançável); inviolabilidade da intimidade e vida privada; direito à educação e formação, enfim, uma base material e contributiva de princípios impecável.
Verdade seja dita, algumas mudanças sociais passam a exigir uma percepção diferenciada dessa senhora, como, por exemplo, a constituição familiar e o direito ao matrimônio (em sentido amplo). Isso porque ela trata somente da matriz sexual derivada da associação entre homem e mulher. O mundo mudou. As pessoas, costumes, necessidades, motivações e amores, também. Precisamos ampliar esse espectro familiar. As relações homoafetivas são hoje uma realidade; precisam não só ser respeitadas, como resguardadas social e juridicamente.
Porém, o mais importante disso tudo refere-se à execução. Algo como as atribuições que foram repassadas ao Coelho Branco das aventuras de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. “O Coelho Branco colocou os óculos e perguntou: ‘Com licença de Vossa Majestade, devo começar por onde?'” – Comece pelo começo -, disse o rei, com ar muito grave. “Vá até o fim e pare.”
O começo – 60 anos atrás – foi irreparável no acerto do seu conjunto de princípios e boas intenções. Pouco ou quase nada merece reparo no que comporta ao seu conteúdo programático.
Todavia, esse conjunto precisa “sair da caixa”. Precisa, de fato, se efetivar. Precisa tomar forma e se fazer presente. Precisa de publicidade. Precisa da irresignação daqueles que dele pouco (ou quase nada) têm acesso. Precisa se fazer presente. Precisa metamorfosear-se em produto acabado.
Há 60 anos o mundo era muito grande. As comunidades, estanques e distantes. A comunicação, difícil. O acesso à informação, para poucos. A disseminação do bem enfrentava barreiras.
Hoje, nada disso acontece. As redes sociais estão aí para demonstrar o quanto é possível fazer com pouco e com muito ao mesmo tempo, uma vez que a participação coletiva, de progressão geométrica, transforma em tsunami aquilo que inicio se apresentava como simples marola.
Conta-se que, certo dia, foi organizado um concurso de pintura.Dois grupos participaram. Uns, chineses; outros de Bizâncio. Ambos os grupos diariamente disputavam prestígio junto ao príncipe, tanto que ele resolveu fazer um concurso. Os dois grupos de pintores, colocados numa sala dividida por uma cortina em dois espaços iguais, foram encarregados de decorar duas paredes que ficavam uma em frente à outra. Os chineses pediram uma grande quantidade de escovas, pincéis e tintas de todos os tipos e cores. Os pintores de Bizâncio, para surpresa geral, não pediram nada. No dia da apresentação, o rei veio com toda a sua corte. O primeiro a ser descoberto foi o afresco chinês: todos ficaram maravilhados. A obra foi considerada insuperável.
Descobriu-se, então, a parede reservada aos pintores de Bizâncio e viram sobre esta parede, porém invertidas, as mesmas figuras e as mesmas cores que estavam na parede dos chineses. Os pintores de Bizâncio haviam se concentrado em polir incansavelmente seu muro, a ponto de torná-lo semelhante a um espelho resplandecente. As pinturas dos chineses refletiam-se nesta parede sem serem prejudicadas pela aspereza do próprio muro e dos defeitos inevitáveis de toda matéria. As imagens ganhavam ali uma pureza, um encanto, uma leveza, que as tornavam particularmente mais belas pelo fato mesmo de ser impossível tocá-las.
Resta-nos, agora, passados 60 anos, polir incansavelmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, para que ela possa reluzir e surtir todos os seus efeitos de maneira eficaz e ampla.
Antonio Carlos Aguiar é sócio e advogado de Direito do Trabalho do escritório Peixoto e Cury Advogados e professor do Centro Universitário Fundação Santo André.
antoniocarlos.aguiar@peixotoecury.com.br