Serão mesmo incompatíveis a religião e a ciência?

Materialistas de todos os tipos, e não apenas os materialistas dialéticos da linhagem de Karl Marx e Engels, bem como ateus de todas as plumagens, no exercício costumeiro da sua fé às avessas, gostam de enfatizar com veemência a radical incompatibilidade entre a ciência e a religião. Estarão certos? Penso que não. Calçando as sandálias franciscanas da minha insignificância pensante, confesso que não consigo vislumbrar a pretensa incompatibilidade entre duas das três mais importantes criações do homem. (A terceira, é claro, seria a arte).

Aliás, gente incomparavelmente mais importante do que este modesto escriba não admite também a aludida incompatibilidade. Seja-me permitido trazer à colação as opiniões de duas figuras paradigmáticas, que prescindem de apresentação: Albert Einstein e Albert Schweitzer.

No seu livro de memórias, o físico maior, o gênio criador da Teoria da Relatividade, assim se manifesta: “A religião sem a ciência é cega, da mesma forma que a ciência sem a religião é coxa”. Mirabile dictu.

Por seu turno, o filósofo e filantropo, espécie de São Francisco moderno, afirma algures: “Equivocam-se os que imaginam que as ciências naturais conduzem o homem ao materialismo. Pelo contrário, elas nos aproximam de Deus”.

Não. Definitivamente, não. De jeito nenhum.. Não existe a menor oposição entre as duas áreas do conhecimento humano. (Pois se a ciência é conhecimento do mundo, a religião é conhecimento de Deus). Se a primeira busca a natureza e a causa dos fenômenos que afetam a matéria, a outra procura as altíssimas causas de todas as coisas, como diria São Tomás de Aquino. Numa palavra: a Causa das causas. Que é Deus. O sumo arquétipo da verdade, da beleza e do bem. Aquela “grande ogiva ao fim de tudo” a que se refere Pessoa num dos seus sonetos.

Sim, a rigor, ciência e religião se complementam. Se completam, como faces da mesma moeda. São irmãs siamesas. Uma, volta-se para a província obscura e limitada do material, enquanto a outra se direciona, num tropismo invencível, para o reino luminoso e infinito do espiritual.

Como diz com propriedade esse papa admirável que se chamou João XXIII, a religião também é ciência – ciência de Deus, o criador e o fautor de todas as ciências deste nosso precário mundo sublunar.

Se me fosse permitido o recurso à metáfora, eu diria que a ciência sobe até Deus por caminhos ínvios, por estradas íngremes, rodeadas de precipícios e abismos, suando, gemendo e chorando, enquanto a religião, sorridente e alegre, vai de elevador. Quando não dá simplesmente um salto imortal, para cair no regaço do Pai.

Mas atenção: quando eu falo em religião, penso nas religiões genuínas, autênticas, puras, não contaminadas pelos vírus deletérios de hipocrisia e do mercantilismo. Passo ao largo das contrafações e simulacros em que se constituem algumas pseudo-religiões). Exercitadas às vezes (e respeitando, é óbvio, as exceções honrosas) por lobos com pele de cordeiro. E por outras espécies zoológicas da fauna dos impostores, charlatães, embusteiros e camelôs da fé. Não passam, esses, de tipos sinistros que o próprio Cristo chamaria de túmulos caiados.

Parafraseando Marx, concluirei dizendo: o ateísmo, sim, é o ópio do povo. Ou melhor: de alguns intelectuais “remplis de soi même”. Cheios de si mesmo, o que nem sempre significa plenitude humana. Muito pelo contrário.

João Manuel Simões

, da Academia Paranaense de Letras.

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