Ia falar sobre as contradições e os problemas de identidade do governo Lula, mas me pareceu batido demais. Pensei então em comentar as peripécias turísticas da Benedita da Silva e do Agnelo Queiroz, mas certamente há os que´o farão com muito mais propriedade. Transgênicos? Não tenho conhecimento nem competência para mexer nesse vespeiro. Sem falar no tédio infinito que inundou minh?alma…

Peço licença, pois, para um tema bem mais pitoresco: este ser estranho chamado “curitibano”. De saída, antes da primeira pedra, aviso que vim ao mundo, por ironia ou crueldade do destino, na capital do Paraná. E também já fui inebriado pela filosofia do “coração curitibano”, que habilmente vendeu ao Brasil e a parte do mundo nossas marcas de fantasia: primeiro a “Cidade Sorriso”, depois “Cidade-Modelo”, “Capital Ecológica”, “Capital do Natal”, “Capital Americana da Cultura” e, por último, a fashion “Capital Social”.

Desses rótulos, o mais surreal é justamente o longínquo “Cidade Sorriso”. Nada mais difícil de encontrar em Curitiba do que um sorriso, pelo menos na maior parte do ano. Agora, nesses dias de calor, até que os sorrisos dão o ar da graça. Mas desaparecem na primeira frente fria, como aves migratórias.

Já fiz o teste: passei horas na Rua XV, e pude comprovar. Quase todos passam carrancudos, mal-humorados, chateados por ter de se misturar “àquela gente toda”. Desviamos do “sombra”, ele é muito chato mesmo, espantamos os panfleteiros, e desaparecemos nas esquinas e bueiros. O sorriso só aparece na forma de escárnio, quando passa o Oil Man e sua sunga puída.

Curitibano não puxa conversa. Tem um lado bom e um ruim: o bom é quando você precisa viajar de ônibus e um(a) curitibano(a) senta ao seu lado. É batata: seu companheiro de viagem não vai trocar uma palavra até desembarcar, a menos que tenha algum interesse. No máximo, um sussurrado “dá licença?”, na hora de ir ao banheiro. E assim você poderá dormir tranqüilo, ler, curtir a paisagem ou ouvir seu walkman sossegado. O lado ruim é quando acaba o gás, os fósforos ou o papel higiênico, e você não tem a menor idéia do nome do seu vizinho curitibano.

E elevador, então? Poucas coisas são mais constrangedoras e desconfortáveis do que pegar um elevador em Curitiba. O ar parece sólido, de tão pesado, as pessoas não se olham, quase não respiram. Pode estar apinhado de gente, que ninguém ousa cruzar os olhares – palavras então, seria um sacrilégio. Fica todo mundo fitando aflito os números luminosos dos andares, o painel de controle ou o teto. Aliás, não sei como os publicitários ainda não pensaram em explorar os tetos dos elevadores curitibanos. Não há mídia mais eficaz.

Mas devo admitir que já foi pior. Os curitibanos já fomos ainda mais fechados, preocupados com a reputação e a imagem, a própria e a dos outros, e ainda mais carrancudos. Tudo bem, nossos cartões-postais são fabricados, temos bares temáticos fake, que reproduzem épocas e conceitos segundo o evangelho do marketing, as reações do público a espetáculos e obras de arte ainda são previsíveis e artificiais. Mas também temos comida boa e barata, lugares agradáveis, gente bonita e mesmo interessante, e até tem sido possível vislumbrar alegria genuína em alguns círculos. Mais um pouco e o vampiro Dalton vai poder sair da tumba…

Luigi Poniwass  luigi@oestadodoparana.com.br é editor do Almanaque em O Estado.

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