Separação consensual ajuizada. Imóvel herdado pelo marido decorrente do falecimento posterior do pai. Separação homologada após esse fato. Sentença declaratória com efeito ex tunc. A mulher não tem direito na partilha do bem herdado.

Trata-se de separação consensual, proposta antes da aquisição de bem imóvel, pelo marido, em razão do falecimento do progenitor deste último, ocorrida entre o pedido de separação e sua homologação, em que se decidiu que a mulher, casada sob o regime de comunhão de bens, não tem direito na partilha do referido imóvel.

Em sentido contrário, há entendimento de que a separação judicial dissolve a comunhão de bens art. 267: "Dissolve-se a comunhão: I… II… III Pela separação judicial", do Código Civil/1916 e de que a adoção daquele regime de bens "importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas, com as exceções dos artigos seguintes" (art. 262 do mesmo Estatuto Civil).

Essa, contudo, não tem sido a melhor aplicação do texto legal ao caso supra mencionado.

A separação consensual, regulada pelos artigos 1.120 a 1.124, do C.P.Civil, segue o procedimento previsto nos artigos 1.103 a 1.112, do mesmo Estatuto Processual, conforme dispõe o artigo 34 da Lei n.º . 6.515, de 26.12.77 (Lei do Divórcio).

A doutrina, ao demonstrar a função dos órgãos do Poder Judiciário, atuando em jurisdição voluntária, que apresenta peculiaridades próprias desse procedimento (e.g., vejam-se os artigos 1.107 e 1.109/CPC): "Quer dizer que esses órgãos os conhecem não para compor conflitos, mas para tutelá-los. Esse é o objeto da jurisdição voluntária: tutelar interesses não em conflito, protegendo-os respectivos interessados" (MOACYR AMARAL SANTOS, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. I, 14.ª ed., pág. 79).

Uma vez preenchidos os requisitos necessários pelos cônjuges, para ajuizamento da separação consensual, cabe ao Judiciário apenas homologar o pedido, de forma a assegurar os direitos dos próprios requerentes e também em relação aos direitos dos filhos do casal ou de outros interessados. Nesse sentido, preleciona ORLANDO GOMES:

"Exige-se a homologação para a fiscalização e controle, pela autoridade judicial do acordo firmado pelos cônjuges" (Direito de Família, 7.ª ed., 1988, pág. 211).

A sentença, que homologa o pedido de separação consensual, é meramente declaratória. Ela não produz efeitos a partir do trânsito em julgado, mas, sim, desde a data da celebração do ato de separação. É o que ensina o saudoso mestre paulista citado, ao ressaltar:

"… efeito meramente declaratório retroage à época em que se formou a relação jurídica, ou em que se verificou a situação jurídica declarada. É, pois, efeito ex tunc" (obra citada, pág. 31)

O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de apreciar a questão aqui apresentada, pela sua 3ª Turma, em duas oportunidades, decidindo desta forma:

"CIVIL E PROCESSUAL. INVENTÁRIO E PARTILHA. ATO DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL. HOMOLOGAÇÃO. ESPECIAL. REGIMENTAL. MATÉRIA DE FATO.

I – O fato de a homologação judicial do ato de separação consensual ocorrer após o falecimento do genitor da consorcia desquitada não implica a que se tenha como direito a aquisição dos bens do de cujus pelo varão separado. II … III Regimental improvido" (AgRg 9293/RS rel. Min. WALDEMAR ZVEITER 3.ª Turma,. j. 26.11.91, DJU 24.2.92, pág.1.897).

A declaração de voto do Ministro EDUARDO RIBEIRO, acompanhando o relator, acrescenta, com propriedade, outros argumentos à decisão proferida pela referida Turma, a saber:

"Para efeitos patrimoniais, a homologação de desquite retroage à data do ato em que se consubstanciou o acordo, como se tivesse ocorrido àquela época. A meu ver, essa construção jurisprudencial, que é do Supremo Tribunal Federal, consagrou solução que se recomenda. Acertando as partes a partilha e tornado irretratável esse acordo é de entendimento pacífico que isso se verifica com a ratificação -, de fato aquela sociedade já findara."

"RECURSO ESPECIAL.  SEPARAÇÃO JUDICIAL. Sentença com efeitos patrimoniais ex tunc, retrotraindo a data em que ratificado o pedido ou, dispensada a ratificação, aquela em que os cônjuges afirmaram, em Juízo, propósito de se separarem" (RESP 29.079-PR, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, 3.ª Turma, j. 11.3.96, DJU 29.4.96, pág. 13.411).

A 7.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, igualmente, em julgamento ocorrido em 22.3.05, apreciando questão semelhante, assentou verbis:

"INVENTÁRIO. HABILITAÇÃO DE EX-CÔNJUGE DE HERDEIRO. AUTOR DA HERANÇA FALECIDO APÓS O AJUIZAMENTO DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL. DEFERIMENTO. AGRAVO. EFEITO EX TUNC DA SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. DECISÃO REFORMADA. A ex-mulher, que requereu sua habilitação no inventário dos bens deixados pelo progenitor do ex-marido, não tem direito a herdar parte dos bens destinados a este, porque os efeitos da decisão, proferida na separação, sendo homologatória e declaratória, é ex tunc, isto é, os efeitos retroagem à data da petição inicial da separação, ocorrida antes do falecimento do autor da herança.

Feitas estas considerações, pode se concluir que: a sentença proferida na separação consensual é declaratória; esta produz efeito a partir do ajuizamento do pedido (ex tunc); o bem adquirido por um dos cônjuges, proveniente de herança, obtido posteriormente ao ajuizamento da separação, mas antes da homologação desta, não assegura ao outro cônjuge o direito de participar da partilha daquele bem.?  

Accácio Cambi é desembargador do TJ-PR.

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