A lei prevê algumas circunstâncias em que a pena privativa de liberdade pode ser substituída por pena de multa, cuja substituição não se confunde com a sanção pecuniária prevista para o tipo, seja isolada ou cumulativamente com outras reprimendas.
No art 44, § 2.º, primeira parte, do Código Penal (com redação dada pela Lei 9.714/98), está prevista a substituição de pena privativa de liberdade não superior a um ano, exclusivamente por reprimenda pecuniária. Nesta hipótese, o juiz pode substituir por uma sanção de multa ou por uma pena restritiva de direito.
A abrangência deste dispositivo legal levou a questionamento quanto à revogação ou não do § 2.º do art. 60 do Código Penal, o qual prevê a substituição da pena privativa de liberdade por multa quando esta não ultrapassar a seis meses, desde que o condenado não seja reincidente em crime doloso e estejam presentes a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, além dos motivos e as circunstâncias do delito, quando essa substituição for suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
No dizer de Raquel Freitas de Souza e Hélio Egydio de Matos Nogueira, “o comando do § 2.º do art. 60 do Código Penal continua vigente para a pena privativa de liberdade não superior a seis meses”(1). Vitor E. Rios Gonçalves leciona a respeito que, quando a “pena fixada for igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos. Essa regra foi inserida no CP pela Lei 9.714/98 e revogou tacitamente o art. 60, § 2.º, que permitia a substituição por multa apenas quando a pena fixada não ultrapassasse 6 meses”(2).
Ao nosso ver não terá mais aplicabilidade o art. 60, § 2.º, primeira parte do Código Penal, porque a substituição da pena privativa de liberdade por sanção pecuniária poderá ter incidência quando a reprimenda corporal não ultrapassar a um ano. Por outro lado, a segunda parte do citado dispositivo legal deverá ser observada para os fins de verificação dos requisitos à substituição, segundo a qual deve o condenado enquadrar-se nas hipóteses previstas nos incs. II e III do art. 44 do Código Penal, cuja atual redação veda a concessão do benefício apenas aos delitos dolosos, enquanto a antiga não fazia distinção quanto à modalidade de reincidência. Portanto, não está revogado completamente aquele dispositivo legal.
Uma vez presentes os requisitos do art. 44, incs. II e III dessa norma, e a pena corporal for igual ou inferior a um ano, “não se trata de mera faculdade do aplicador da lei. Ao contrário, satisfeitos os requisitos legais, a substituição é obrigatória, constituindo um direito público subjetivo do condenado”(3).
Além desta substituição de pena privativa de liberdade por multa prevista na Parte Geral do Código Penal, temos ainda outras na Parte Especial deste Código, assim como em legislações especiais.
No Código Penal podemos citar as “hipóteses de reconhecimento de crime privilegiado pela sentença (v.g., arts. 155, § 2º, 170, 171, § 1.º, 175, § 2.º e 180, § 3.º)”. Nas legislações especiais temos o art. 9.º da Lei 8.137/90, cujo dispositivo legal usa o termo conversão da pena privativa de liberdade por multa, tratando-se em verdade de substituição.
A incidência deste privilégio nos delitos de furto qualificado tem encontrado resistência nos nossos tribunais, inclusive no Egrégio Superior Tribunal de Justiça verifica-se divergência entre a Quinta e Sexta Turma, onde esta admite a aplicação do benefício e aquela não. Não vemos porque o simples fato de cuidar-se de delito qualificado, por si só, possa inviabilizar a aplicação do privilégio, porque, um furto simples pode, no caso concreto, merecer maior reprovação que outro qualificado. Cite-se como exemplo o furto simples levado a efeito com estudo minucioso para sua consecução, em relação a um furto qualificado, pelo concurso de agentes, onde a res ficou praticamente à disposição de sua apreensão por terceiros, e que num momento de ingenuidade dos infratores, foi tomada a sua posse.
Veja-se que somente o caso concreto poderá indicar a razoabilidade da aplicação ou não deste benefício, não servindo para ser rechaçada a sua incidência o simples fato de ser previsto na norma a sua modalidade qualificada.
Além disso, não mais se justifica este endurecimento na interpretação da norma em comento, na medida em que o legislador estendeu para os delitos com apenamento definitivo até quatro anos de pena privativa de liberdade, a substituição das sanções por penas restritivas de direito.
Ocorrendo a substituição por pena de multa da sanção privativa de liberdade quando aplicada cumulativamente com multa, as duas sanções pecuniárias somam-se, ou seja, continuam cumulativas. Portanto, é possível que a reprimenda resulte em duas multas, sendo uma em substituição à privativa de liberdade e outra originária, aplicada em cumulação.
Pela redação do art. 44, § 2.º, segunda parte, do Código Penal, dada pela Lei 9.714/98, a pena privativa de liberdade superior a um ano, desde que não superior a quatro (CP, art. 44, inc. I), pode ser substituída por uma pena restritiva de direito e uma multa, ou duas restritivas de direito. Novamente a pena de multa serve para substituir a pena privativa de liberdade originariamente imposta, assim como em substituição a outra pena restritiva de direito que poderia ser aplicada. Portanto, a pena de multa pode servir tanto para substituir a sanção privativa de liberdade como também uma pena restritiva de direito, neste caso, ficando cumulada a pena restritiva de direito com a de multa.
A aplicação alternativa da pena de multa quanto prevista, como ocorre, v.g., nos arts. 358, 351, § 4.º, 345, 325, etc., do Código Penal, não se confunde com a substituição da reprimenda corporal por multa, porque naquela hipótese o julgador não substitui, mas sim, opta pela aplicação somente da reprimenda pecuniária, não sendo nesta hipótese necessário que fixe o quantum da reprimenda corporal, diferentemente do que ocorre quando há a substituição ora em comento.
Uma vez substituída a reprimenda corporal por multa, a sanção nesta parte passa a ser regida pelas regras ditadas às penas pecuniárias no que se refere a sua execução, inclusive não sendo possível a conversão em privativa de liberdade caso não seja paga, por vedação da recente disposição do art. 51 do Código Penal, assim como no que se refere ao prazo prescricional, cuja pena, v.g., de um ano de reclusão que prescreveria em quatro anos, substituída por multa prescreverá em dois anos.
NOTAS
(1)Alguns Reflexos da Lei 9.714/98 na Pena de Multa Substitutiva. In: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 75, ano 6, fev./1999, VIII.
(2) Penas Alternativas. Edição Paloma, 1999, p 25.
(3) BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 5. ed. Rev. Amp., São Paulo: Ed. RT, 1999, p. 512.
(4) SILVA, Jorge Vicente. Pena privativa de liberdade substituída por pecúnia. In: Jornal O Estado do Paraná, Caderno Direito e Justiça, circulação de 21.03.1999.
Jorge Vicente Silva é pós-graduado em Pedagogia a nível superior e Especialista em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, Tóxicos, análise da nova lei, estando no prelo, Sentença Penal Condenatória, já nas livrarias. E-mail: jorgevicentesilva@hotmail.com e
jorgevicentesilva@swi.com.br