Toda a sentença deve conter uma linguagem limpa, pura e precisa, com a utilização de termos técnicos, sem valer-se de um vocabulário popular que não tem correspondência clara às expressões jurídicas, assim como palavras que possam dar ao leitor mais de um conceito, propiciando por conseguinte mais de uma interpretação.
A concisão do julgado deve prevalecer, onde “o estilo jurídico deve ser uma intensidade. O maior número de coisas com menos palavras possíveis, e, por isso, a boa redação das decisões foi simbolizada pela teoria dos três (CCC) – completa, clara, concisaª (1).
No dizer de Magalhães Noronha, a sentença “para ter valor e mesmo existência, é necessário que ela seja formulada, isto é, passe do subjetivismo do julgador, de sua mente etc., para o plano externo ou exterior, então, sujeito a formalidades, ou seja, subordinada a determinada forma (2).
Alguns juristas reprovam determinados métodos de se proferir sentença, por entenderem não ser recomendável a utilização do “vetusto” sistema dos “considerando” ou dos “atendendo”.
Este sistema apresenta os seguintes inconvenientes:
1.º) mecaniza o estilo, tornando-o duro, seco, rígido, uniforme, monótono; de sorte que todas as vezes que o Juiz, fora da sentença, quiser ou tiver que elaborar uma peça literária, sentirá dificuldades para compor uma redação fluente e agradável;
2.º) gera freqüentes dificuldades na organização de períodos, obrigando a fazer encadeamento de períodos, que ficariam bem melhor e mais logicamente separados por pontos e até por linhas;
3.º) reduz o campo da argumentação e da motivação, pondo peias aos raciocínios, em conseqüência das dificuldades surgidas na organização e concatenação dos períodos;
4.º) dá à sentença uma feição litúrgica, apropriada ao artificialismo jurídico, que deve ser combatido com vigor por todos aqueles que desejam evitar, o mais possível, a reprodução de erros judiciais.
Somos, por isso, de parecer que devem ser abolidos os monótonos e detestáveis “considerando” ou “atendendo”, que nada mais representam do que restos do formalismo antigo e ferrenho.
Forma péssima é a que começa a sentença pela conclusão e termina pela motivação. Dizemos péssima: “1.º) porque é da própria natureza lógica da conclusão não vir em 1.º lugar; 2.º) porque, quando o Juiz começa pela conclusão, por via de regra, omite o relatório, procedimento este nada recomendável, visto que revela pouco caso para com as partes litigantes, não dando a entender que examinou todos os pontos da causa e que ficou ciente de toda a matéria tanto de fato como de direito da mesma” (3).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também lançou algumas considerações a respeito das sentenças, destacando que “cada juiz empresta às sentenças as marcas de seu temperamento e as denominantes de sua formação. Quem tiver autoridade para fazê-lo indicará com excelências supremas do estilo do julgado a concisão que não argua pobreza ou dê ao estilo caráter hermético e cerrado, o “natural” que não se abastarde em vulgaridade, o vigor que não vá até as raias da ênfase, em uma palavra, a “clareza” do ideal stendhaliano. Mas inexiste qualquer preceito rígido imposto ao juiz na redação das sentenças. O que se pode exigir é que dê o juiz os fundamentos da sua convicção” (4).
Ao apreciar a prova, “em que pese a afirmação da elaboradíssima teoria da relação processual, segundo a qual a verdade processual é extraída do exame das provas produzidas durante a instrução criminal, não há como negar que o fato sub judice é reconstruído discursivamente pelo juiz no momento de sentenciar e que essa reconstrução caracteriza-se pela seleção, avaliação e interpretação do material probatório que foi recolhido e acumulado ao longo de um complexo procedimento que começa com as primeiras atividades policiais pós-delito e termina com o encerramento da instrução criminal” (5).
O juiz, ao proferir a sentença, como ser humano que é, objetivando atender simultaneamente a sua própria consciência – segundo seus conceitos éticos, morais, religiosos etc., enfim, sua ideologia, adquiridos como produto do meio que lhe deu formação, além de seu próprio caráter -, assim como os desejos da sociedade e as aspirações da comunidade jurídica, poderá ficar num dilema entre a sua consciência e as aspirações do meio jurídico e sociedade. (6) O ideal é que decida de acordo com a sua consciência, aplicando a lei segundo a sua melhor interpretação para o caso concreto, porque somente assim poderá dormir tranqüilo, mesmo que para isso tenha que contrariar posição prevalente da doutrina e jurisprudência sobre o tema (7), e até mesmo a expectativa da sociedade, especialmente quando há clamor público que nem sempre é legítimo.
Na técnica de elaborar uma sentença o julgador primeiro encontra as soluções possíveis no caso examinado, segundo as provas dos autos e o direito aplicável à matéria, e quando se convence sobre qual é a que melhor atende ao seu foro íntimo de justiça, articula os argumentos que melhor convencem a sociedade e comunidade jurídica sobre a justeza de sua decisão, visando tornar o julgado irreformável, procurando demonstrar que ele é legal, legítimo e justo.
A doutrina enfoca algumas modalidades de sentenças que não satisfazem os anseios das partes nem da comunidade jurídica, taxando-as de sentenças ilegais, sentenças arbitrárias, sentenças injustas e sentenças inexistentes (8).
Sentença ilegal deve ser considerada a decisão em que o julgador, ao prolatá-la, descumpre a lei material ou processual, em sentido lato, e, em sentido restrito, quando a sentença, apesar de perfeita formalmente, deixa de aplicar ao caso concreto o direito que lhe competia.
Conceitualmente tem-se como sentença arbitrária aquela decisão proferida em afronta ao direito, ou ainda, quando encontra fundamento em determinados fatos que, contudo, se deram de forma diversa daquela em que se baseou a decisão. No primeiro caso, costuma-se dizer que houve erro de direito, e, no segundo, erro de fato.
Como sentença injusta deve-se ter a decisão que, apesar de material e formalmente correta, conflita com os valores da sociedade, quando assimilados também pela comunidade jurídica.
Para parte da nossa doutrina sentença inexistente pode ser considerada aquela que não contém a assinatura do julgador, não havendo por isso em tal ato nulidade, mas sim, sua própria inexistência (9).
Discordamos desta posição porque entendemos que o referido ato pode ser ratificado pelo julgador. Por isso não pode ser taxado de inexistente, cuja questão está abordada mais adiante com maior profundidade.
Uma coisa é certa: o juiz não pode pretender sobrepor-se ao legislador. Isto é, não pode deixar de aplicar a lei porque entenda ser injusta. Pode sim, dar interpretação à norma utilizando-se dos mais diversos métodos da hermenêutica, e chegar a um raciocínio conclusivo contrário até mesmo à intenção do legislador. Nesta hipótese, sua decisão não é contrária à lei, apenas contraria a forma normal de sua interpretação. (10/11)
Há que se considerar também a dificuldade de encontrar sintonia sobre a questão, especialmente face à comum existência de diferença entre o duvidoso injusto individual (do juiz, como intérprete do razoável), e o certo injusto coletivo, que muitas vezes não tem qualquer parâmetro de razoabilidade.
Nem toda lei será o que o juiz considera mais justo, embora possa ser socialmente aceita, sendo que afastá-la representa substituir o critério político de formação coletiva da lei pela lei criada pelo indivíduo juiz.
Toda a lei que não corresponde aos anseios da sociedade é injusta, e invariavelmente estará contaminada de vícios por ferir princípios constitucionais, motivo pelo qual o julgador não está obrigado a aplicá-la porque “o juiz não pode ser escravo da lei. Pelo contrário, o juiz deve ser livre, deve ser responsável. Enfim, dotado de inteligência e vontade, o juiz não pode ser escravo, nem da lei. A sentença, que provém do verbo sentir, tal como sentimento, deve expressar o que o juiz sente, e, diante desse sentimento, definir a situação”. (12)
Sempre que o julgador convencer-se de que sua decisão é justa, ainda que a princípio contrarie disposição legal, aplicando princípios de direito penal ou processual penal e constitucional, ele poderá justificar sua decisão, pois havendo o convencimento dentro de conceitos éticos, morais, religiosos, doutrinários etc., encontrará resposta favorável do direito até mesmo para afrontar disposição expressa da lei.
A sentença penal é de enorme responsabilidade do juiz, principalmente quando tratar-se de decisão condenatória, pois, nesse caso, qualquer erro do julgador pode ser irreparável de fato, apesar de existir no direito instrumentos para possível correção. Isto é, mesmo que um recurso ou uma revisão criminal venham a reformar sentença condenatória, na hipótese de o réu ter permanecido preso até o reconhecimento do Estado do erro judiciário, este período de cárcere, na maioria das vezes, é irreparável, porque, para as pessoas de boa índole, a indenização pecuniária não satisfaz o direito e desejo de liberdade.
É de se observar que a sentença não necessariamente tem que ser escrita, podendo ser oral, conforme autoriza o art. 538, § 2.º, parte final, do Código de Processo Penal, onde o juiz pode em audiência ditar todo o conteúdo da sentença. Regulando audiências gravadas em fita de vídeocassete, a Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 4.” Região, sob o comando do Eminente Desembargador Vladimir Feitas ao normatizar este procedimento, autorizou o juiz a proferir sentença verbal em audiência, na presença das partes, a qual posteriormente é degravada, quando então formalmente torna-se escrita (13).
Em verdade, nesse caso acaba não sendo uma sentença eminentemente oral, porque toda a regulamentação desse ato sentencial encaminha a uma transformação do julgado em escrito, que, somente após cumpridas as formalidades, é que ele torna-se sentença. Por isso pode-se dizer que se cuida de sentença ditada com transcrição posterior.
NOTAS
(1) SOUZA, Ney Fayet de. A Sentença Criminal e Suas Nulidades. 5. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 22.
(2) NORONHA, Magalhães E. Curso de Direito Processual Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 211.
(3) ROSA, Borges da. Comentários ao Código de Processo Penal. 3. ed., atualizada por Angelito A. Aiquel. São Paulo: Ed. RT, 1982. p. 477.
(4) Revista Forense, v. 105, p. 350
(5) BRUN, Nilo Bairros de. Requisitos Retóricos da Sentença Penal. São Paulo: Ed. RT, 1980, p. 76.
(6) “O juiz, antes de ser uma máquina de decisão, é um ser humano. Um homem que sofre, que tem paixão, que tem emoção, que tem sentimento: que tem os mesmos problemas que qualquer outro mortal e, conseqüentemente, também tem a possibilidade de errar, coisa que, em geral, não admitimos e, em particular, eles mesmos. Afinal, o juiz como mero cumpridor de uma vontade que não é dele, não pode ser outro que um repetidor daquilo que está estabelecido na lei. No fundo, nem um mínimo juízo de discrição se dá, porque o juízo de discrição é falacioso. O que se faz, em verdade, é manter um sistema que, antes de valorizar a atuação do juiz, valoriza o sistema normativo – em si mesmo – e dá tão-só ao mesmo a possibilidade de ser um mero intérprete. O que está nos faltando, por certo, em termos de discricionariedade é, antes de pensar nela, pensar em quem faz atuar as normas, porque centro do poder; e tudo passa pelo poder. É ele, enfim, o juiz, que tem a possibilidade, inclusive, de decidir contra legem. … O que é preciso fazer, então, é parar de se iludir com o dogma de que o juiz é um servo da lei, porque essa é que é a grande questão. Essa é que é a chave de volta de todo o problema. O juiz é, deve ser, respeitado como órgão criador do direito”. (COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Discrição judicial na dosimetria da pena: Fundamentação suficiente. Revista do IAP, n. 21, p. 150-152).
“A doutrina clássica entende a sentença como fruto de uma delicada e complexa operação lógica em que o juiz manifesta por escrito o raciocínio por ele seguido e que tem suas raízes na consciência moral do julgador. A motivação, enquanto rigidamente estruturada segundo uma combinação lógica necessária, surge principalmente como um modo de impor a decisão, reforçando a autoridade substancial e formal, posto que tende a demonstrá-la, mais que justificá-la, pondo em evidência seu caráter racional”. (SHECAIRA, Sérgio Salomão. Cálculo de Pena e o Dever de Motivar. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 6, p. 163).
(7) “Em torno à influência dos estereótipos, dos prejuízos e das teorias do sentido comum, na aplicação da lei penal, se produz uma atividade emotiva por parte do Juiz em função do status social, econômico ou político do imputado. Isto se concreta em uma tendência marcada a um julgamento preferencial para a classe social a que pertence o indivíduo que está sendo julgado”. Como disse BARATTA, “a distribuição das definições de criminal se ressente, por ela, de modo particular pode afirmar-se que tem uma tendência por parte dos Juízes a esperar um comportamento conforme a lei dos indivíduos pertencentes aos estratos médios e superiores; o inverso acontece em respeito dos indivíduos provenientes dos estratos inferiores”. Se produz então um julgamento diversificado pela classe social, que preordena e pré-juíza mentalmente o Juiz no ato do julgamento. (MAIA NETO, Cândido Furtado. Cárcere: Utopia e Realidade. In JBCr, v. 32, p. 19).
(8) BRUN, Nilo Bairros de. Requisitos Retóricos da Sentença Penal. São Paulo: Ed. RT, 1980, p. 7-8.
(9) “Não é, segundo nos parece, caso de ser declarada a nulidade da sentença sem assinatura e sim de afirmação de sua inexistência, porque, sabidamente, o pressuposto para que uma nulidade seja proclamada é que o ato exista, juridicamente, embora de vício insanável”. (BOSCHI, José Antonio Paganella. A sentença Penal. Revista de Estudos Criminais. Sapucaia do Sul, v. 2, n. 5, dez./2002, p. 70).
(10) “O juiz pode dilatar, completar, melhorar e fazer interpretação larga e hábil da lei”. “A função do Poder Judiciário é aplicar as normas legais aos casos concretos e que a adstrição do juiz à lei é importante, já que o julgador sofre influências de fatores econômicos, políticos e sociais”. (PORTANOVA, Rui. Motivações Ideológicas da Sentença. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1992, p. 37-38)
(11) “Na lei as palavras empregadas não são definidas. Cabe, pois, ao juiz, na sentença, definir o significado dos termos, dizendo quais são suas características, esclarecendo em que sentido estão empregados. E essa tarefa judicial de definir o sentido das normas jurídicas é um processo criador de direito. E isso porque, dependendo do maior ou menor número de conotações que der a uma palavra, esta terá maior ou menor abrangência, podendo assim o juiz, restringindo a denotação do termo, excluir condutas, ou aplicando-a, incluir comportamentos na incidência da aplicação da lei. Na sentença essa faculdade do juiz para alterar as propriedades definitórias de uma palavra ou de uma expressão de lei, redefinindo-as, é o mesmo que legislar”. (SOUZA, Ney Fayet de. A Sentença Criminal e Suas Nulidades. 5. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 30)
(12) PORTANOVA, Rui. Ob. cit., p. 129.
(13) Provimento n. 01/97, arts. 176-179.
Jorge Vicente Silva é pós-graduado em Pedagogia em nível superior e especialista em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, Tóxicos, análise da nova lei, Manual da Sentença Penal Condenatória. Todos os artigos deste autor no Site: jorgevicentesilva.com.br e E-mail: jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br