Senado, do latim senatus, é a câmara dos velhos. E de velhos se compunha, em sua origem, porque entendia-se que na democracia era preciso haver uma casa de parlamento de homens cuja idade avançada significaria acúmulo de experiências, de sabedoria, de bom senso e dignidade. O nosso Senado admite políticos que há bem pouco eram imberbes, mas presumivelmente têm vergonha na cara. Sabedoria passou a não ser requisito. Mas entende-se que a dignidade deva ser conservada. A de cada senador e a da Casa, pois secunda e revisa as proposições que a Câmara, reservada aos mais moços e a um número muito maior de homens públicos, apresenta. Já ficou provado que existem alguns deputados pundorosos, mas não faltam os que conspurcam o nome da Câmara e contaminam o processo democrático. Mas o Senado sempre seria a esperança da redenção, da correção dos erros.
O caso Renan Calheiros, entretanto, está jogando na lama todo o Senado, embora nele resistam e insistam alguns homens de bem, que se preocupam com a Justiça e com a dignidade de seus cargos e da Câmara Alta. Ela está despencando de suas alturas desde que a Polícia Federal levantou suspeitas sobre a origem do dinheiro com que o presidente Renan Calheiros pagava (e continua pagando) pensão a uma jornalista que foi sua amante e dele teve uma filha. Os recursos viriam de uma grande empreiteira e teriam sido pagos sempre em dinheiro vivo, por intermédio de um lobista da construtora. O lobista nega, o advogado da jornalista e ela também confirmam pelo menos o modus faciendi dos pagamentos. Mas Renan nem sequer desceu de seu trono de presidente do Senado. Do alto de sua posição, buscou defender-se com montes de documentos que explicariam a origem do dinheiro. Seria da produção e venda de gado em suas seis fazendas, três próprias e três arrendadas.
A comissão de ética do Senado, que deveria ser o primeiro foro a examinar o caso, não estava funcionando porque não fora formada. Com certo custo, senadores mais responsáveis conseguiram sua instalação, a presidência dada a um petista e para a relatoria foi convocado o senador Epitácio Cafeteira, do PTB, um octogenário que se encontrava no Nordeste quando convocado. Chegou a Brasília sem saber de nada e quer de lá sair da mesma forma. Ignorando os fatos e fazendo com que também seus pares ignorem. Ontem, ele apresentou um atestado médico e se licenciou do Senado por dez dias. Melhor assim.
Cafeteira fez em cima dos joelhos um relatório dizendo que Renan é inocente e que ninguém deveria ser ouvido no processo. Nem ele, nem o lobista, nem a mãe de sua filha natural. Bastavam os documentos que apresentou, para os quais dispensou qualquer perícia. Nesse entremeio, a TV Globo, em trabalho de reportagem, foi buscar a origem dos documentos e encontrou empresas fantasmas e outras, em geral minúsculos açougues, que afirmaram nunca haver negociado com Renan Calheiros, comprando seu gado. Até o administrador de suas fazendas reduziu enormemente o plantel que o senador disse possuir. A origem do dinheiro provada não foi comprovada.
Mesmo assim, Cafeteira disse que apresentaria o mesmo relatório negando tudo e mandando arquivar o caso. E que não o mudaria em razão dos fatos novos, nem neles tomaria conhecimento dos eventos já passados. Arquive-se e que toda a verdade se perca sob a poeira do tempo. Essa solução esdrúxula e desmoralizante para o Senado obviamente desagradou a alguns senadores, mas Cafeteira foi incisivo: ou votavam o relatório, arquivando o caso sob o peso do rolo compressor das forças situacionistas, ou renunciaria à relatoria. E ontem dela se afastou, usando um atestado médico. Melhor seria se tivesse renunciado ao mandato de senador da República.
Antes, aconteceu o inimaginável: na mesa, participando da reunião da comissão de ética, Cafeteira recebeu um telefonema de sua mulher. Atendeu-o e declarou a todos que não mais renunciaria, a pedido da esposa. Esta, por sua vez, teria recebido um pedido do próprio Renan Calheiros, que do alto da presidência do Senado dirige o seu próprio caso. Agora, é como receitou a filósofa Marta Suplicy: ?relaxar e gozar?.
