A semiótica do direito tem por finalidade descobrir a estrutura do fenômeno jurídico, por meio do uso de paradigmas indiciários que possam conduzir a inteligência à sua mais ampla compreensão. Dessa forma, podemos verificar que o primeiro paradigma indiciário do fenômeno jurídico é a existência da lei: sem a existência de códigos, consuetudinários ou escritos, não há que se falar na existência do direito.
O segundo paradigma indiciário da experiência jurídica é o sentimento de justiça, ínsito no desejo humano de uma convivência social compartilhada na igualdade e na equilibrada distribuição dos bens disponíveis. O terceiro paradigma indiciário da existência do direito é a vivência gregária do ser humano, surgida a partir de sua dependência biológica e social, de sobrevivência e mútua troca de interesses.
Outros paradigmas semióticos podem ainda ser considerados como expressivos da experiência jurídica, como a organização política (o Estado), a existência dos tribunais, a conduta etc. Não obstante, há que se distinguir entre condicionantes essenciais e acessórios. Consideramos, na forma tradicional, que os três primeiros, supracitados, são os essenciais. Na continuidade, importa desdobrarmos os significados latentes presentes nos paradigmas essenciais, seguindo o entendimento da maioria dos jusfilósofos:
1) O mundo das leis jurídicas é o campo positivo de análise do direito e, por isso, considerado `científico’, em termos próprios (Kelsen).
2) As considerações sobre o sentimento do justo oscilam entre a teoria e a ideologia. A teoria da justiça diz respeito àquela contida na lei; já a ideologia da justiça é a consideração da mesma em termos programáticos ou de dever-ser. Em ambos, trata-se de meras especulações filosóficas.
3) Quanto aos fatos sociais que dão origem ao direito, podem ser vistos sob perspectiva genética (ciência) ou teleológica (ideologias e utopias). Em ambos os casos, oscilam entre dados conjunturais, de difícil sistematização.
Esta significação tridimensional do direito encontra-se in nuce em todas as abordagens históricas sobre a natureza do fenômeno, variando apenas de perfil conforme a índole de cada autor. O professor Miguel Reale, uma das maiores expressões de nossa cultura, é o responsável por uma Teoria Tridimensional do Direito (S. Paulo, ed. Saraiva, 1980), de características integrativas. Ora, essa tridimensionalidade indica a implicação dialética daqueles três paradigmas (ciência, filosofia e ideologia), de tal forma que, cada um deles, tomado isoladamente, carrega consigo os outros dois, na forma de uma correlação de implicação semiótica.
Assim, partindo do enfoque das leis jurídicas, o mais expressivo para caracterizar o direito, podemos inferir as nove ciências que formam a essência do campo jurídico. Para tanto, vamos considerá-lo em três momentos (diacronia), assim discriminados:
1) A existência das leis (a ciência do direito):
– ciência: dogmática jurídica.
– filosofia: lógica e epistemologia.
– ideologia: política jurídica.
– dogmática jurídica: é o conjunto das leis vigentes; é a ciência jurídica no sentido kelseniano.
– lógica e epistemologia: é o estudo da coerência das expressões legais, bem como da estrutura da ciência jurídica.
– política jurídica: trata da criação e da modificação das leis no tempo.
2) A consistência das leis (a filosofia do direito).
– ciência: – teoria do direito.
– filosofia: – conceitos de direito.
– ideologia: – sociologia e crítica do direito.
– teoria geral do direito: é a ciência da sistematização do direito positivado; é a teoria do ordenamento.
– conceitos de direito: é a ontologia jurídica; discrimina os diferentes significados atribuídos ao direito como um todo.
– sociologia e crítica do direito: procura fontes sociais, históricas ou críticas do fenômeno jurídico.
3) A aplicação das leis (a ideologia do direito):
– ciência: – jurisprudência dogmática.
– filosofia: – axiologia jurídica.
– ideologia: – teoria e ideologia da justiça.
– jurisprudência dogmática: resulta da aplicação da lei aos casos judiciais.
– axiologia jurídica: trata dos valores jurídicos, em sentido genético ou teleológico; ética, justiça, segurança, ordem e paz são valores jurídicos fundamentais.
– teoria e ideologia da justiça: envolve o trato legal ou apenas ideologizado da justiça (cfr. Bobbio, N. A Teoria das Formas de Governo. Brasília, ed UNB, p. 28, 3.ª ed).
Como se vê, o conhecimento do direito envolve, ao mesmo tempo, a sua concreção nas leis, a sua aplicação e a sua consistência formal, não havendo a possibilidade de considerá-las isoladamente.
Antônio Celso Mendes
é professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e pertence à Academia Paranaense de Letras. (www.filosofiaparatodos.kit.net)