O presidente Lula diz que no ano que vem não precisará viajar tanto. Em menos de um ano já fez bastante, proporcionalmente bem mais que o antecessor que criticara por realizar, conforme dizia, um certo “turismo oficial”. Faltam ainda a China e a Rússia, mas Lula imagina que já semeou as sementes necessárias para fazer nascer – se a seca do desacerto internacional e a inércia da diplomacia tupiniquim não estragarem tudo – e um novo conceito sobre o Brasil e uma nova relação entre o nosso País e os aliados que foi buscar fora da rota tradicional Europa-Estados Unidos. Modéstia às favas, em 2004 ficará mais em casa, cuidando, entre outras coisas, das eleições que, imagina o presidente, haverão de consolidar o PT no poder a partir das bases municipais. Ou tratando de nossa soberania interna, tão debilitada como nunca.
Faz bem. Não que a política internacional praticada pelo presidente em pessoa seja despicienda, mas dentro do governo existe uma estrutura montada e dirigida exclusivamente para isso – o Itamaraty. É ele o órgão que precisa estar ativo e bem azeitado para fazer as sementes de Lula germinarem no tempo certo em qualquer terreno externo. Caso contrário, cada viagem presidencial corre o risco de ser arquivada ou simplesmente esquecida pelo país visitado mal o viandante ilustre, cheio de presentes e com muito sono, embarque no avião de volta.
Pelo que se sabe, entretanto, e apesar do esforço de Lula em fazer reuniões a qualquer hora do dia ou da noite com colegas mandatários de outros países, o Itamaraty atravessa um período de vacas magras. Aliás, magérrimas. Só a diplomatas e oficiais de chancelaria o governo devia, até o final de novembro, cerca de dois milhões de dólares americanos – o equivalente a cerca de seis milhões de reais. A dívida, hoje seguramente maior (nem por isso ameaçadora à soberania brasileira), é repleta de sinais de mau agouro.
É só um pequeno detalhe a indicar que o semear de Lula em terras tão distantes corre o risco de dar em nada. Como na lenda, semente sobre terreno pedregoso, vocacionada a pasto das aves do céu, sem chance de nascer. Tanto esforço contrasta com a revelação de que o ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores (e todos os demais servidores convocados para essa viagem ao Oriente Médio), tirou dinheiro do bolso para acompanhar a comitiva. Dentro da nossa diplomacia, quem terá, assim, boa vontade de ficar regando as plantinhas para que cresçam e produzam os frutos esperados?
O presidente Lula não pode esquecer que a soberania que ele busca lá fora precisa primeiro ser conquistada aqui dentro. A partir do pleno emprego que reduzirá, este sim, a fome a zero. A partir do crescimento econômico que deixa os contribuintes felizes, capazes de pagar não só as viagens repetidas da comitiva presidencial, mas também o orçamento do Itamaraty, que precisa estar em condições de funcionamento o ano inteiro (e em todas as unidades de nossas representações diplomáticas espalhadas pelo mundo), para regar sementes e impor o respeito brasileiro e a nossa soberania de que tanto fala Lula.
No campo internacional, como no nacional, Lula jogou sementes a mancheias. O problema, ao que tudo indica, não está na semeadura, mas no cultivo adequado e na colheita em hora certa. Depois de um ano sob novo regime (mas, francamente, o que mudou de fato?) gostaríamos, por exemplo, de estar com a indústria a pleno vapor, com o comércio em franca atividade, com a economia em pleno desenvolvimento – tudo assim como foi semeado – para que não tivéssemos que reconhecer que este ano de juros altos passou simplesmente premiando a especulação em detrimento da produção, e com o nível de emprego à míngua.
Por isso, o anúncio de menos viagens ao exterior (e a conseqüente maior atenção a nossos problemas internos) pode ser uma boa notícia. Vamos aguardar para ver.