Sementes da discórdia

Um dos três grandes exportadores mundiais de soja, o Brasil entrou no olho do furacão representado pelos debates acerca dos alimentos geneticamente modificados – os transgênicos. O tema ergue um muro entre a Europa e os Estados Unidos, levanta desconfiança entre os consumidores, movimenta comerciantes de plantão, acende paixões políticas e tira a já pouca tranqüilidade de agricultores, acostumados ao imponderável da natureza, enquanto a Justiça é acionada a cometer absurdos e o mundo científico instado a emitir pareceres que ainda não tem.

A posição do Brasil, ainda vacilante entre o contra e o a favor, assume importância maior no contexto mundial, uma vez que é o segundo maior produtor de soja do mundo. Estados Unidos, o primeiro, aderiu faz tempo aos chamados progressos da biogenética, sem dar atenção aos protestos dos consumidores, que se organizam como podem em torno de produtos impropriamente chamados de orgânicos. A Argentina, o terceiro maior produtor, também não fechou as portas à transgenia que, pela fronteira do Rio Grande do Sul, chegou clandestinamente ao Brasil. Agora o mundo inteiro acompanha nossos passos, faz pressão de lado a lado, e procura influenciar nosso eventual veredito.

De fato, até aqui, a questão é mais política e comercial que científica. A ciência não conseguiu provar ainda – e lá se vai mais de uma dúzia de anos! – se a transgenia é capaz de causar danos à saúde humana. Na dúvida, as opiniões se dividem. A mínima desconfiança ainda restante serve de pretexto para um global movimento contra a inovação, repetindo às avessas o que em certo tempo, em questões de astronomia e assemelhados, alimentava a fogueira da Santa Inquisição. Bové, o francês criador de cabras e ativista antimultinacionais já esteve por aqui incendiando campos arados sem o subsídio oficial que, em sua terra, faz a diferença contra os países pobres e em desenvolvimento. Sua ira, que nada teve de científico, provocou incêndios.

Entre a cruz e a espada, o governo brasileiro não sabe exatamente o que faz. Nem o que diz. Dias atrás, numa reunião especificamente convocada para tratar do tema, o presidente Lula bateu o martelo na tentativa de uma saída salomônica que, por enquanto, contraria decisões de Justiça: colher o que está plantado e tentar vender o alimento ao mercado internacional, para não penalizar os produtores já uma vez sentenciados à cadeia. Empurrado o problema emergencial com a barriga, procura agora uma solução para o próximo ano. Ou para os próximos.

Não será fácil, entretanto. Quanto mais passam os dias, mais se percebe que dentro do governo existem argumentos para todos os gostos. Acaba, por exemplo, de ser demitida a secretária executiva da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, o órgão interministerial encarregado de avaliar a segurança dos organismos geneticamente modificados. Cristina Possas era tida como uma defensora dos transgênicos, posição parecida à do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. Mas o PT, no passado, ajudou na pichação “fora transgênicos”…

São notáveis os benefícios da biotecnologia à humanidade. Um dos ramos da ciência que mais tem progredido nos últimos tempos, ela demonstrou poder ajudar na salvação do planeta, contribuindo na tarefa de mitigar a fome de milhões e emprestando mais qualidade à vida. Esse debate que se origina, basicamente, nos prós e contras do controle das sementes (portanto, uma questão econômica), não pode representar a semeadura da discórdia. Deve ser orientado por questões objetivas e científicas. Que o Brasil – assim como Bush em relação à guerra – não se feche apenas por turrice. Ou burrice.

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