Clarice Lispector confessou: ?Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar?. A sensação de onipotência é substituída pela humildade do reconhecimento de que seremos sempre frágeis e efêmeros ante a magnitude da herança cultural recebida. Mesmo uma escritora de tantas e tão marcantes narrativas de nossa literatura, reconhece a pequenez humana ao aliar uma obra de criação às de inumeráveis escritores ao longo do tempo.
Idêntica impotência é vivida pelo leitor. Entrar em uma livraria, virtual ou não, informar-se sobre a quantidade de títulos publicados anualmente, ouvir falar de livros lidos ou averiguar a lista de livros consultados ao final de um artigo em periódico científico é dimensionar numérica e concretamente a situação de desconhecimento e de impossibilidade de, no tempo de vida, dar conta minimamente de bibliografia restrita a apenas uma área do conhecimento.
São publicados no Brasil aproximadamente 50 mil títulos por ano. Os textos literários representam 11% desse total, aproximadamente 5.500 títulos para serem lidos em escassos 365 dias: equivale a 15,70 livros por dia! De que literatura falamos ao elogiar ou criticar um lançamento recente? Se a média anual per capita é de 1,8 a 2,3 livros/ano no Brasil, podemos avaliar quanta leitura é indispensável aos brasileiros para haver alguma significação cultural. Assim, a produção editorial indica que poucos serão os livros lidos no ano e, provavelmente, raríssimos permanecerão na história da literatura. Felipe Lindoso, em O Brasil pode ser um país de leitores?, afirma que ?de todos os produtos culturais o livro é o que tem a produção mais barata?, se comparado com cinema, teatro, televisão e música. Mas sofre de um ?ciclo de vida variável e geralmente curto?.
Não lemos, porém, para o futuro. Lemos para compreender o presente. Nem mesmo a História tem finalidade retrospectiva: é investigada para que nosso tempo seja melhor entendido e justificado.
Relendo Retrato do Brasil, de Paulo Prado, escrito em 1925, percebi o peso da formação colonial sobre a contemporaneidade. Com todas as letras, lá está a corrupção como legado português a expandir-se e aprofundar-se tentacularmente. Também lá se encontram as dificuldades da educação, em especial após a expulsão dos jesuítas em 1759, por obra do Marquês de Pombal. Com os padres, desaparecia a tradição do colégio erudito com ?escolas de ler e escrever?, em que a literatura representava ?o fenômeno central da vida do espírito?, como informa Antonio Candido.
Clarice Lispector lamenta a impossibilidade de abranger o enredamento dos fios narrativos: mas a educação os teve cortados. O leitor se apequena ante o volume de leituras possível desses fios. O sistema de educação também produz números em estatísticas e relatórios assustadores: o vale-tudo educacional ensina o silenciamento. Em conseqüência, na escola brasileira nada se conta: nem de literatura, nem de matemática. Pois ela pouco conta para a sociedade e atola-se em saberes de superfície. Quem paga a conta é o presente.