Sem rumo

Há uma vaga e difusa sensação de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sem rumo. Ou com a bússola avariada. Confirmam essa impressão os últimos acontecimentos relevantes da política nacional, envolvendo o fatídico boné do MST que foi parar na cabeça do sorridente Presidente para, ato seguinte, entrarem em cena seus ministros na tentativa de garantir o que nunca deveria ter sido colocado em dúvida. Depois, na questão da reforma da Previdência, as constantes idas e vindas deixam interrogações sem resposta, tanto para o contribuinte comum, quanto para os funcionários públicos que se apegam a direitos adquiridos e iniciam greve geral para aumentar a pressão. Tem ainda a questão das tarifas telefônicas, alteradas mesmo a despeito de uma luta até aqui inglória do ministro da área, a falta de eficácia do programa Fome Zero, o prometido esforço para a geração de novos empregos, a (in)segurança no campo e na cidade.

Outras vicissitudes dão essa impressão, incluindo a própria viagem de Lula à Europa, depois daquela realizada aos Estados Unidos, faz pouco tempo. Com o presidente George W. Bush, ele assinou uma declaração conjunta de cujo teor não restam dúvidas a respeito da adesão do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas – Alça. Agora, em Portugal, e depois de ter sido criticado pelo seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, Lula afirma que a coisa não é bem assim, que sua prioridade continua a ser o Mercosul e que os Estados Unidos só pensam em si próprios em primeiro, em segundo, e em terceiro lugar. Se sobrar tempo, ainda voltam a pensar mais um pouquinho. Foi criticado até pelo presidente da Polônia… E pensar que se tinha a impressão que Lula foi ao exterior para se refazer do cipoal em que se havia metido aqui, com o Judiciário, os fazendeiros, os juros altos condenados pelo vice-presidente José de Alencar até no exercício da presidência.

Viajar sempre é bom. Melhor ainda se a viagem não sai do próprio bolso. Pode até ser sem muito rumo ou objetivo. Lula aprendeu isso, faz tempo. Em Brasília, pensam assim também os congressistas, já em ritmo de hora extra mas sem a obrigação de trabalhar. No correr desta semana, por exemplo, cada deputado ganha mais de mil e duzentos reais por dia para não fazer absolutamente nada: os impasses acerca dos rumos da reforma previdenciária “obrigaram” à suspensão das votações e, assim, quem não comparece não é punido. Pode até viajar. A ordem é dar tempo a líderes e representantes do governo costurarem algum entendimento possível. Outros assuntos também ficam para depois. “Não vai ter votação para não tensionar o ambiente e não ter dispersão”, explica um desses líderes, igualmente bem pagos pelos contribuintes.

Ora, sempre se ouviu dizer que o Congresso é a casa do povo, onde as tendências se entrechocam, os interesses afloram, as posições se cristalizam e, democraticamente, vence a maioria. Em busca de um consenso até aqui impossível, o Planalto está transformando a casa do povo numa casa de homologação de suas vontades adrede negociadas, de um lado, e impostas à sua bancada, de outro. Nesse artifício entram também os governadores dos Estados, convocados outra vez às pressas para reencontrar o rumo perdido. Enquanto isso, já tem ministro entrando em teatro pela porta dos fundos, para fugir de manifestantes irados. E a confusão, ou a falta de rumos, já empurra outra vez o risco-Brasil para cima. Se toda vez que houver turbulência o presidente viaja e o Congresso entra em recesso branco, como seremos governados na hora da tempestade?

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