O atraso na votação do Orçamento da União já começa a atrapalhar os planos de investimento dos governadores, em plena arrancada antes das eleições de outubro. Pelo menos R$ 3,5 bilhões dos investimentos programados neste ano pelos Estados dependem dos repasses da chamada Lei Kandir, que foram suspensos no início do ano pela equipe econômica e só serão restabelecidos depois de a lei orçamentária ser sancionada e, possivelmente, em valores inferiores a 2005. A situação mais difícil é enfrentada pelos governos do Sul e Sudeste, onde os ressarcimentos pelas perdas com a desoneração das exportações são mais significativos.
O governo de São Paulo é, individualmente, o maior beneficiado pelos repasses federais. Recebeu no ano passado a cifra de R$ 770,7 milhões, já descontada as parcelas entregue aos municípios e retida pelo Fundo de Manutenção de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef). Esse montante equivale a 20,5% dos investimentos realizados em 2005 pelo governo paulista, que atingiu a cifra recorde de R$ 3,77 bilhões Neste ano, São Paulo ainda não recebeu nenhum centavo.
Na oposição, há quem atribua a decisão do governo de endurecer com os governadores a uma estratégia eleitoral, de secar uma das fontes de receita – e de realização de obras – dos possíveis adversários do presidente Lula em outubro. Na semana passada, a base governista conseguiu modificar o relatório final do Orçamento, retirando R$ 1,8 bilhão que estavam reservados para os Estados exportadores. "Há no ar a nítida impressão de que o governo do PT decidiu não aprovar o Orçamento para não repassar os recursos da Lei Kandir, que beneficiam principalmente os Estados governados pela oposição", diz o deputado Pauderney Avelino (PFL-AM).
Além do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), o tucano Aécio Neves (MG) e os peemedebistas Germano Rigotto (RS) e Anthony Garotinho (RJ) também têm muito a perder com a redução dos repasses da Lei Kandir. O caso mais grave é do governador gaúcho, que só conseguiu investir no ano passado R$ 454 milhões, dos quais R$ 299 milhões (65,9%) provenientes dos fundos de exportação. Em 2006, Rigotto incluiu no seu Orçamento a previsão de receber R$ 873 milhões do fundo federal, mas no máximo receberá R$ 217,7 milhões líquidos da parcela municipal e do Fundef.
De acordo com o secretário de Planejamento do Rio Grande do Sul, João Carlos Brum Torres, as áreas mais afetadas pela ausência desses recursos serão saúde e infra-estrutura. Uma das obras gaúchas que está ameaçada é a construção da RS-471, que liga diretamente a região norte do Estado ao porto de Rio Grande num trajeto de 300 quilômetros. Para concluir o projeto, são necessários mais R$ 125 milhões, cifra que dependia principalmente dos repasses da Lei Kandir.
Em Minas Gerais, outro Estado exportador, Aécio estima uma perda de R$ 180 milhões com a redução dos valores do fundo de exportação. "A receita que vamos perder equivale a quatro vezes o gasto que temos com transporte escolar e a 10 mil moradias populares", compara o secretário de Planejamento, Antônio Augusto Anastasia. Segundo ele, a expansão do plano de moradias populares tende a ser prejudicada se confirmarem-se as novas projeções do Orçamento da União, sem o R$ 1,8 bilhão com o qual os Estados contavam.
No ano passado, Minas foi o segundo Estado mais beneficiado com os repasses federais, recebendo R$ 358 milhões líquidos, que ajudaram o governo a alcançar a marca de R$ 2 bilhões em investimentos. Outro Estado que também depende muito dos repasses da Lei Kandir é o Paraná. Em 2005, foram R$ 706 milhões de investimento, dos quais R$ 309 milhões (43,8%) foram possíveis graças ao fundo de exportação. Dos grandes Estados, o Rio é o que menos depende do dinheiro da Lei Kandir para seus investimentos (11,7%).
Em termos relativos, o maior prejuízo com o corte de R$ 1,8 bilhão no auxílio aos Estados exportadores será suportado por três governos: Espírito Santo, Pará e Mato Grosso. Nesses Estados, os repasses em 2006 sofrerão uma queda entre 47% e 65%, pois o corte atingirá justamente o complemento à Lei Kandir que privilegiava os Estados que mais contribuíam para o saldo da balança comercial (exportações menos importações).
Em vez de ser distribuído para os Estados exportadores, o dinheiro será alocado no Orçamento para as emendas parlamentares, que são facilmente bloqueadas pelo governo na hora da execução orçamentária. "Infelizmente, há uma visão míope do governo federal e da sua base, que prefere distribuir esses recursos em pequenos projetos em vez de estimular as exportações", opina Aécio.
