Sem emoção

É quase impossível, dadas as condições em que se desenvolveu a presente campanha eleitoral desde o início, acatar o conselho (ou o pedido) do presidente Fernando Henrique Cardoso, de votar com a razão, e não com a emoção, neste domingo de todos os candidatos. Mesmo os que haverão de votar no nome da preferência presidencial estarão depositando nas urnas eletrônicas uma carga muito grande de emoções. Emoções e esperanças de que possam repetir a façanha no segundo turno e, assim, prolongar o tempo das possibilidades de dar ao tucanato uma já quase improvável vitória final.

Mas a emoção, que sacode o eleitor não apenas no que tange à natural preferência por “a”, “b” ou “c” e vai além da questão política ao misturar-se, como nunca até aqui, com a conjuntura econômica de um dólar sem limites, não deve estar acima de uma certeza: a consciência de que o que está em jogo ? e nisto assiste razão a FHC – não é apenas a vitória de alguém, mas, acima de tudo, o futuro imediato do País, de nossos filhos e de nossos netos. Cada um, entretanto, enxerga o futuro à sua moda.

Em Minas Gerais, o segundo colégio eleitoral do País, o presidente das reformas inacabadas arriscou talvez a sua cartada final na defesa daquilo que gostaria acontecesse ? a vitória de seu antigo colega de exílio, José Serra. “Quero deixar ? insistiu FHC – minha absoluta convicção de que Serra é o melhor, o mais preparado e o mais capaz de levar adiante as grandes mudanças, com firmeza e segurança”. Numa alusão clara à simplicidade cultural atribuída ao candidato Lula da Silva, líder nas pesquisas, o presidente afirmou ainda que seu candidato, além de obsessivo e obstinado pelo trabalho, “tem a vivência dos livros e da universidade”. Na universidade, entretanto, os que lidam com os livros manifestam tendência pelo sem-diploma…

Um retrocesso? É natural que FHC pense e diga que não quer que o Brasil recue. Também é até aceitável que, na reta final da campanha, tenha ido até Belo Horizonte para uma cinematográfica reconciliação com o ex-presidente Itamar Franco, a quem serviu como ministro e com quem brigou durante quase oito anos. Mas também é natural que alguém veja isso como um simples (talvez lícito) negócio eleitoral, coisa que o chefe da nação disse, desde o início, ter-se negado a fazer.

Sem emoção, é válido também dizer que a liberação de recursos na semana que antecede ao pleito para o pagamento do 13º salário do funcionalismo público mineiro, retribuição de investimentos feitos pelo governo estadual em rodovias federais e mais R$ 46 milhões de reais para obras federais paralisadas é ato comparável àquilo que o saudoso Nelson Rodrigues definia como “arranco vitorioso de um cachorro atropelado”. O magnânimo gesto presidencial tanto pode ajudar quanto atrapalhar. Seria bom que o eleitor relevasse esse pequeno acidente de percurso e, sem emoção, julgasse outras questões de importância para o País. Mas a defesa de FHC a seu candidato muito bem poderia ter sido praticada apenas com palavras, sem o recurso extraordinário ao Tesouro num momento em que todos reclamam de cintos apertados. Existem, no mínimo, outros Estados cujo povo gostaria de ter um tratamento semelhante, mesmo não possuindo a densidade eleitoral de Minas Gerais.

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