O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravatura. Aconteceu tão recentemente que ainda restam manchas dessa atrocidade na nossa sociedade, a principal delas, o fato de os descendentes de escravos estarem nas camadas mais baixas, desassistidas e excluídas da nacionalidade. Não é difícil detectar esse liame, ainda não integralmente rompido, entre a escravatura e o trabalho livre. Um dos sinais evidentes de sua sobrevivência, dos mais gritantes, é a situação da empregada doméstica, não por acaso em geral da raça negra, descendente de escravos.
Nos países desenvolvidos, mesmo naqueles onde houve escravidão, o fenômeno não mais existe. Neles, inexistem empregadas domésticas e as que existem em geral não descendem de escravos e sua relação de emprego é livre, com todos os deveres e direitos dos contratos normais de trabalho, respeitadas as peculiaridades da atividade.
No Brasil, na maioria das vezes o trabalho doméstico está bem próximo da indigna relação oficialmente abolida da escravatura. E mesmo apresentando o nosso País como em desenvolvimento, as autoridades e expressivas parcelas da sociedade brasileira ainda resistem à inclusão do trabalho doméstico entre os abrigados pela legislação pertinente, a da CLT e suas alterações.
Neste ano e neste governo, por tomada de consciência ou motivação eleitoreira, alguns passos vêm sendo tentados para melhorar o emprego doméstico. Mas tem sido um vaivém, um puxa-puxa em que há falta de suficiente vontade política e há abundância de vontade eleitoreira, além da inércia dos que se beneficiam do ?status quo? atual. Ainda não se tem certeza de quantos passos e de que extensão serão tomados no sentido da modernização dessa importante e peculiar relação de trabalho.
Caminhou-se para a concessão de parcos benefícios fiscais para os patrões que venham a manter, voluntariamente, empregados domésticos registrados e aceitarem pagar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e benefícios da previdência pública. Avançou-se, por iniciativa parlamentar, para a obrigatoriedade desse benefício e ainda a multa de 40% quando ocorra demissão sem justa causa, direito que é garantido aos demais trabalhadores. Todos os empregados com carteira assinada têm esse direito. As domésticas ainda não.
Houve pressões das camadas mais conservadoras e de seus representantes e o governo recuou, já anunciando que não dará o FGTS obrigatório nem o direito à multa por demissão sem justa causa. Lamentável retrocesso.
Entretanto, para apresentar uma compensação que torne a sonegação de direitos menos antipática, o que sempre é conveniente em ano eleitoral, já cogita o governo de dar à categoria de empregados domésticos o seguro-desemprego. Um benefício imprescindível em qualquer sociedade moderna ou com ambições de chegar a sê-lo. O nosso seguro desemprego é insuficiente e limitado no tempo. Auferem-no por poucos meses trabalhadores que ficam desempregados muitas vezes por um ano ou mais, havendo, portanto, um longo período em que sobrevivem ou morrem à míngua. Mas é melhor o seguro-desemprego e o FGTS voluntário do que a situação atual em que o emprego doméstico está mais próximo da escravidão que do trabalho protegido pela Consolidação das Leis do Trabalho.