68 dias de protesto!

‘Povo desocupado’, diz moradora do Santa Cândida após nova confusão com apoiadores de Lula

Foto: Reprodução.

“Nós estamos cansados”, assim define uma das moradoras do bairro Santa Cândida, em Curitiba, que convive, há 68 dias, com as manifestações contra a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na noite desta quarta-feira (13), os vizinhos se revoltaram e queimaram bandeiras dos apoiadores de Lula e chegaram ainda a pintar o asfalto onde estava escrito “Praça Olga Benário”, no cruzamento das ruas Guilherme Matter com Doutor Barreto Coutinho, próximo à sede da Polícia Federal (PF). Os apoiadores de Lula afirmam que até pode haver um acordo, mas que depende do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).

“Passamos tinta branca onde estava escrito o nome da praça que eles insistem em dizer que é, mas não adianta, já voltaram a pintar de novo. Acontece que essa rua não é uma praça coisa nenhuma, é o cruzamento das ruas onde fica o endereço da casa onde nasci”, desabafou a Vivian Comin, consultora de seguros.

A moradora contou à Tribuna do Paraná que o estopim para a confusão desta quarta-feira foi um pedido que um deles fez aos organizadores da vigília para que retirassem dois balões que foram colocados no cruzamento. “Os balões eram enormes e fizeram com que os cachorros das casas latissem o dia todo. Nós fomos pedir que retirassem, começou uma discussão e virou confusão”.

Os moradores denunciaram ainda que, nos últimos dias, morreram um cachorro e um gato de duas casas próximas à vigília. “Primeiro morreu o gato, depois de ficar um dia bem mal, logo depois, o cachorro. Não sabemos se fizeram alguma coisa, mas como provocam a gente o tempo todo, estamos desconfiados de que possam ter envenenado os bichos para nos atacarem. Podem ter feito como represália mesmo”.

Foto: Aniele Nascimento
Foto: Aniele Nascimento

E a liminar?

Segundo a mulher, a revolta desta quarta-feira se deu porque mais uma liminar da Justiça, especificamente do Tribunal de Justiça do Paraná, saiu e até agora não foi cumprida. “Essa liminar impõe que as ruas sejam desocupadas e estabelece regras para que os protestos aconteçam. Até porque isso que tá acontecendo não é um protesto, é uma ocupação, mas até agora ninguém faz nada e a governadora (Cida Borghetti) parece ter esquecido as promessas que fez para a gente, de que cumpriria a decisão assim que saísse”.

Aos 68 dias de vigília, desde que o ex-presidente foi preso, os moradores dizem que já não aguentam mais até mesmo ser ofendidos ao sair e entrar em casa. “Esse povo desocupado fica na rua o dia todo. Você acorda, estão lá. Você sai para trabalhar, estão lá e te xingam. Quando chega, ao final da tarde, depois de um dia de trabalho cansativo, te xingam também”, desabafou outro morador entrevistado pela reportagem e que também preferiu não ser identificado.

O que os moradores querem não é que a manifestação acabe, mas sim que a ocupação da vigília saia dali. “A gente só quer a nossa paz de volta. Se querem protestar, tudo bem, mas façam isso da forma correta, não de domingo a domingo como estão fazendo”, defendeu o homem reforçando que faz mais de dois meses que a rotina do bairro foi completamente modificada. “Ninguém mais sai ou entra em casa como antes, as crianças já não podem brincar na rua. Eles nos hostilizam mesmo, o tempo todo. Nos chamam de coxinhas, burgueses, fascistas, mas eles nem sabem o que é fascista. Fascistas são eles que estão ali tirando o direito da gente”.

Decisão judicial

À Tribuna do Paraná, a advogada que representa os moradores do bairro, Patrícia Busatto, explicou que a decisão judicial foi tomada a partir de um recurso feito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) depois de uma decisão de primeira instância. “Essa liminar foi concedida por um desembargador do TJ que estabeleceu regras para que a manifestação aconteça. Eles só podem se manifestar aos finais de semana, durante o período das 9 às 19h e no máximo seis horas de duração, e com finais de semana alternados: um pró-Lula e outro pró-Lava Jato”.

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Além disso, as barracas todas devem ser retiradas. “E as manifestações devem seguir um período de 15 dias, ou seja, num final de semana ocorre manifestação e no outro, não. O desembargador colocou na decisão aquilo que a gente sempre vem falando, que manifestação é temporária, não uma ocupação”, explicou Patrícia.

De acordo com a advogada e também com os moradores entrevistados pela reportagem, até foi concedido reforço policial, mas a Polícia Militar (PM) não faz a proteção dos moradores e sim dos manifestantes. “A PM nunca atende aos moradores. Essa tem sido a maior frustração deles, pois quando ligam para o 190, por exemplo, são ignorados. Nesta quarta-feira mesmo, por exemplo, a PM protegeu o povo do PT ao invés de proteger os moradores”, desabafou Patrícia, reforçando a ideia de que o que vem acontecendo no bairro é uma tragédia anunciada. “O que aconteceu foi só o começo. Nós não sabemos até onde isso vai”.

Foto: Reprodução.
Foto: Reprodução.

Desrespeito à lei do silêncio, diz PT

O presidente estadual do Partido dos Trabalhadores, Dr. Rosinha, afirma que o que aconteceu na quarta-feira não foi uma manifestação apenas de moradores do bairro. “Nós vimos, por exemplo, gente que depois da confusão subiu numa moto e foi embora. As pessoas que queimaram as coisas, por exemplo, também não eram moradores”, disse.

Segundo o político, o que aconteceu na quarta-feira foi um desrespeito à lei do silêncio da cidade. “Porque nós, quando dá 19h, damos boa noite ao Lula e vamos embora. O que estes poucos fizeram, junto com alguns moradores, foi desrespeito à lei. O contrário do que eles mesmos pedem, pois nós temos cumprido todas as decisões até agora”.

Sobre os animais que morreram, Rosinha defendeu que isso precisa ser provado. “Se eles acham que tem animal envenenado, tem que mandar fazer a necropsia e a partir disso vai ser constatado o crime e vai ser investigado. Além disso, se alguma pessoa que vai lá pedir a liberdade do Lula tenha agido com agressão verbal, eles (os moradores) precisam identificar essa pessoa, nos passar e nós vamos fazer questão de fazer com que isso não permaneça. Agora, chamar alguém de fascista não é agressão, é emitir opinião ideológica”.

Rosinha reforçou que o PT já tomou conhecimento da última decisão judicial citada pelos moradores, mas explicou que há um pedido de conciliação sendo avaliado. “Queremos tentar negociar uma forma de ficarmos lá, porque enquanto Lula estiver ali, manteremos a vigília. O que podemos fazer, na conciliação, é ter um acordo. Vai depender do comportamento da prefeitura, do poder judiciário, o que queremos é sentar para conversar”, explicou o presidente do partido no Paraná.

Foto: Gerson Klaina.
Foto: Gerson Klaina.

Segundo Rosinha, a maior resistência até agora nas negociações tem sido a prefeitura de Curitiba. “A prefeitura prefere impor a decisão judicial, ao dialogo. Preferem o confronto à negociação. Enquanto isso, nós queremos sentar e ver uma forma de manter a manifestação de um jeito que seja bom para todos”.

O presidente estadual do PT também deixou claro que o partido, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o próprio Movimento Sem Terra (MST) não têm mais envolvimento com o acampamento montado no terreno alugado na Rua Joaquim Nabuco. “O PT alugou por 30 dias e depois não foi renovado. O pessoal que vem trazer solidariedade ao Lula tem ficado num alojamento, não estamos mais acampados em lugar nenhum. Quem continuou nesse acampamento ficou lá por iniciativa própria, não temos mais responsabilidade sobre isso”.

A reportagem da Tribuna do Paraná procurou ainda a Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp-PR), que informou que a decisão judicial tem sido cumprida. O que aconteceu nesta quarta-feira foi que um dos manifestantes jogou lixo dentro de uma das casas, o que gerou o atrito. A Sesp pediu para que a polícia sempre seja comunicada do que acontece no local.

A prefeitura de Curitiba disse que houve acordo numa primeira oportunidade, que não foi cumprido. Agora, o órgão aguarda cumprimento da decisão do TJ, com base em recurso interposto pelo PT. Segundo a prefeitura, “o direito de manifestação é legítimo, mas não pode se sobrepor aos direitos de quem usa os serviços da PF e nem do morar e ir e vir dos moradores da região. O que o município busca é equacionar todos esses direitos”.

A Tribuna do Paraná também procurou o Tribunal de Justiça do Paraná. A reportagem foi informada que, na 3ª Vara da Fazenda Pública, não chegou nenhum requerimento para realização de conciliação entre as partes.

https://www.tribunapr.com.br/noticias/vizinhos-da-pf-reclamam-das-ocupacoes-de-militantes-estou-com-medo-tem-gente-barra-pesada-ai/

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