Depois de três anos da morte de Renata Muggiati e de ser investigado pela Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) por falsa perícia, o médico legista Daniel Colman, que fez o primeiro laudo de necropsia no corpo da fisiculturista, resolveu se manifestar sobre o caso. Segundo ele, em nenhum momento foi dito ou descrito em relatórios que a mulher teria sido vítima de suicídio. A demissão do médico ainda é analisada pela governadora do Paraná, Cida Borghetti.
O posicionamento do médico vem depois que a investigação da DHPP revelou que o primeiro laudo sobre a morte de Renata Muggiati, que apontava que ela teria caído do prédio ainda viva, era falso. Segundo o que a DHPP descobriu, Daniel Colman teria feito falsa perícia no corpo da fisiculturista. Diante da confirmação da Polícia Civil, a direção da Polícia Científica afastou o servidor de suas funções no IML.
Tempos depois, a DHPP investigou a conduta do médico e, com o inquérito finalizado, Daniel Colman teve sua exoneração do Instituto Médico Legal (IML) recomendada pela Secretaria de Estado de Segurança Pública do Paraná (Sesp). Segundo o órgão, o caso passou pelo setor jurídico da Sesp, que deu parecer favorável à demissão do médico-legista. Resta a assinatura da governadora Cida Borguetti para que a demissão seja confirmada.
“Jamais falsifiquei laudo nenhum. Meu laudo é baseado na ciência, na técnica, na isenção e traz os fatos médicos. O médico legista dá a causa médica da morte, jamais invade a área alheia, em relação à causa jurídica da morte, seja ela acidente, homicídio ou suicídio. O medico legista não deve dar este tipo de resultado”, defendeu o médico, em entrevista divulgada pelo advogado, Omar Elias Geha.
Segundo Daniel, desde o começo o laudo feito por ele apontava que a morte de Renata Muggiati se deu por intensa ação traumática. “Se é questão de homicídio, suicídio ou acidente não compete a mim. Compete à investigação criminal concluir a causa jurídica da morte. Ressalto e falo novamente que eu nunca falei da questão do suicídio, em nenhum momento, nem nos autos e nem no meu trabalho”.
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O trabalho feito
Renata morreu na madrugada do dia 12 de setembro de 2015, ao cair do 31º andar de um prédio da Rua Visconde do Rio Branco, na esquina com Comendador Araújo, no centro de Curitiba. Neste dia, Daniel Colman estava escalado para trabalhar somente porque recebeu uma ligação da diretoria do IML pedindo que ele cumprisse escala, pois faltavam médicos. “Mesmo com toda a minha insistência, me pediram para fazer o plantão. Fiz o plantão e atendi a todos os cadáveres, não só o da Renata”, destacou o médico.
Assim que o corpo de Renata chegou ao IML, o médico começou a necropsia e começou a coletar as provas da causa da morte. “As maiores provas de que ela caiu em vida são as lesões que eram possíveis ver, qualquer livro diz isso. Fiz necropsia completa, inclusive com abertura do pescoço, no dia. Num contexto de uma queda de local muito elevado, com tamanha energia, a literatura descreve nesse contexto presença de fratura, tanto que eu abri o pescoço e realmente tinha fratura na região do osso”, explicou Daniel Colman.
Segundo o médico, diante da situação, a fratura do osso hióide, que foi vista, se deu pela intensa ação traumática. “Não havia indícios de separar dois conceitos, o dos sinais de asfixia e da asfixia por concepção mecânica do pescoço. Qualquer morte pode se ter os sinais de asfixia geral, que seria a congestão dos órgãos, onde há maior acumulo de sangue, e pode ter sim diversas situações que envolvam a morte, que não as de homicídio ou de asfixia homicida”.
A necropsia continuou seguindo os tramites comuns e Daniel disse inclusive que pediu exames complementares, como o toxicológico, para dar sequência na apuração da morte de Renata. Acontece que um segundo exame foi feito, por outro médico, que apontou que a fisiculturista já estava morta quando caiu, informação contrária ao primeiro relatório. Um terceiro exame, feito por outra médica, apontou que a Renata teria sofrido asfixia antes de cair do prédio, o que não constava no laudo de Daniel. Este documento, inclusive, foi o que fez com que a DHPP pedisse a prisão de Raphael Suss Marques, apontado como único suspeito da morte da mulher.
No dia 25 de setembro, Daniel Colman disse que foi surpreendido com a imprensa noticiando, através do então secretário de segurança Wagner Mesquita e do diretor do IML, Carlos Alberto Peixoto Batista, que o resultado de um exame concluía que a causa da morte de Renata era asfixia por contrição trínseca do pescoço. “Me deixou muito abalado, muito assustado, porque a causa médica da morte foi divulgada com base num exame anatomopatológico e não com base na necropsia”.
Ao perceber o que tinha sido divulgado, Daniel disse que continuou trabalhando em seu relatório, mas sem acessar aos sistemas do IML. Depois, o médico disse que, no dia 29 de setembro, protocolou, junto à direção do IML, um pedido (para se resguardar) de que precisava do exame anatomopatológico para finalizar a necropsia. “Me entregaram, protocolarmente, o exame. Mas, para minha surpresa, no dia 2 de outubro, exumaram o cadáver. Tudo feito pelas minhas costas, sem que eu tomasse conhecimento de nada disso”, explicou.
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Falsa perícia
Depois das investigações da morte de Renata, que levaram a prisão de Raphael Suss Marques e que já foi encaminhado à Justiça, a DHPP começou a apurar a dúvida sobre a suspeita da falsa perícia feita por Daniel Colman. Com as investigações, a conclusão da Polícia Civil foi a de que Daniel teria realmente feito uma falsa perícia em Renata e não estava descartada ainda a possibilidade de que o médico teria recebido alguma vantagem financeira para emitir o documento com informações falsas. Apesar disso, a polícia nunca forneceu muitos detalhes, porque o caso tramita em segredo de Justiça.
No decorrer das investigações, Daniel foi chamado à DHPP para esclarecer os fatos e também falou com a delegada responsável pelo trabalho, Aline Manzato, sobre um valor que teria sido depositado em sua conta bancária. “A delegada me fez algumas perguntas sobre depósitos na minha conta, já que meu sigilo bancário foi quebrado, expliquei que eram de empréstimos bancários. Quando meu advogado foi entregar os comprovantes, ela disse que já estava em situação de relatar o inquérito”.
O médico disse também que em nenhum momento, enquanto as equipes do IML e da Polícia Científica cuidavam do caso, foi chamado para participar dessa investigação. “Cheguei a discutir com o médico Alexandre Gebran Neto, que tirou fotos de um dos meus procedimentos. Só fui chamado a uma reunião institucional com o diretor da Polícia Científica, Emerson Bertassoni, depois que tudo já tinha sido divulgado, e me disseram que não aceitariam relatórios com opiniões divergentes. Quiseram induzir que eu teria feito falsa perícia”.
Na tentativa de se defender, Daniel, que trabalhou por seis anos no IML, negou categoricamente que tenha feito falsa perícia. “Nunca vendi laudo nenhum na minha vida. Desde o inicio já se sabia minha convicção sobre o caso. Se pagaram, pagaram para a pessoa errada, se é que isso existiu”, desabafou.
Daniel disse que continua muito abalado pela situação que se encontra e que jamais falou em suicídio de Renata. “Não vendi laudo de suicídio, eu nunca sequer falei de suicídio. Também tentaram criar factoides de que eu teria negócios com a família do Raphael, mas não conheço nem eles, nem a família de Renata”.
Em análise
Depois que a demissão de Daniel Colman foi pedida pela Sesp, a decisão foi encaminhada à governadora Cida Borghetti para que ela assine. A Tribuna do Paraná apurou que essa decisão foi encaminhada a uma junta jurídica que continua analisando se o processo para chegar à conclusão da demissão cumpriu todas as etapas.
Até o momento, o que se tem é que a decisão pela demissão já foi tomada, mas Daniel ainda não foi exonerado. Essa, conforme a assessoria de imprensa do governo do Paraná, é uma questão complexa e que precisa ser feita com cuidado.