Há pouco mais de um mês, a operadora de cobrança Rita de Cássia de Souza, 31 anos, moradora do bairro Parolin, em Curitiba, passou por um choque duplo. Primeiro, perdeu a filha Valentina de Fátima Vieira, de apenas 1 ano, de maneira inesperada. Depois, soube que o corpo da criança havia sido levado do cemitério.
Com suspeita de gripe, a menina foi mandada de volta para casa após consulta na UPA do Boqueirão no dia 19 de junho. No dia 20, retornou à unidade de pronto-atendimento já em estado grave e não resistiu. Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde diz que o atendimento prestado a Valentina seguiu os protocolos e que a criança não teve quadro clínico de gripe. Segundo a pasta, a menina “apresentou rápida evolução para um quadro de infecção bacteriana avançada, com foco no pulmão”.
No dia seguinte ao enterro, a dor se agravou. Em uma ligação da administração do Cemitério Municipal do Boqueirão no dia 22 de junho, Rita e o marido foram informados de que o corpo da filha havia sido levado.
Desde então, a Polícia Civil investiga o caso. De acordo com a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o caso é prioridade nas investigações. Testemunhas estão sendo ouvidas e imagens de câmeras de segurança estão sendo analisadas pelos policiais. Mas, até agora, a família não recebeu nenhum indício de quem pode ter levado o corpo da criança.
“Eu quero uma resposta, mas tenho medo da resposta que vou encontrar”, afirma a mãe, em entrevista, referindo-se às duas possibilidades levantadas pela investigação: necrofilia ou magia negra.
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De prático após o crime, a prefeitura decidiu botar equipes da Guarda Municipal 24 horas e limitar o acesso do público nos três cemitérios municipais de Curitiba: Boqueirão, São Francisco de Paula e Água Verde. O reforço no patrulhamento já estava nos planos da GM antes desta ocorrência por causa dos constantes furtos de placas e peças dos cemitérios. Mas o caso da filha de Rita levou a administração municipal a adiantar o plano. “No cemitério, disseram que esse não foi o primeiro caso [de vilipêndio]. Se já aconteceu antes, por que não tomaram medidas desde o primeiro caso? “, questiona a mãe.
Como vocês receberam a notícia de que o corpo havia sido levado do cemitério?
Rita de Cássia de Souza – A gente estava no postinho de saúde. Eu tinha marcado uma consulta para pedir um remédio, um calmante. Por volta das 15h ligaram no meu celular e meu marido atendeu. Eu ouvi ele perguntando ‘cemitério?” e achei estranho, porque ele saiu de perto. Depois voltaram meu marido e minha irmã com uma cara estranha. Insisti para eles me contarem o que aconteceu e eles não queriam falar. Eu disse que eles tinham que falar porque já sabia que tinha acontecido alguma coisa. Então eles me disseram que tinham roubado o corpo dela. Foi o administrador do cemitério que falou e passou o número da Guarda Municipal. Nós estávamos bem abalados e a enfermeira do postinho retornou a ligação para a Guarda para saber se aquilo era verdade. A gente estava achando que era trote.
Vocês voltaram ao cemitério na hora?
Rita de Cássia de Souza – Eles falaram para a gente ir. Mas lá tem muita divergência. Cada um fala uma coisa… [a mãe faz uma pausa]
Adriane Cristiane de Souza (tia da criança) – O administrador do cemitério disse que o crime só foi percebido às 11h30, na ronda de rotina da Guarda Municipal. Na Guarda, eles contaram a mesma história e disseram que era bom a gente voltar ao cemitério e dar uma olhada. Não quisemos entrar. Fomos atrás das câmeras de segurança da rua para ver o que a gente poderia conseguir. Quando a gente estava na última casa, o mesmo cara da Guarda Municipal chegou avisando que a polícia não tinha visto, mas que no chão estavam os lacrezinhos do caixão.
O guarda fotografou, mas o delegado que esteve lá primeiro nos disse que os lacres não estavam lá quando a polícia passou por ali e que foi implantado depois. Sábado voltamos e mais uma contradição: os coveiros afirmaram que foram eles que viram e um deles afirmou que tinha sido na quinta-feira à noite. A polícia achava que poderia ter sido na sexta de manhã, durante o jogo do Brasil [Brasil x Costa Rica, pela Copa do Mundo ].Ninguém sabe exatamente.
Qual foi a pior parte: encarar a morte da filha ainda tão pequena ou receber a notícia de que o corpo havia sido levado?
Rita de Cássia de Souza – As duas coisas. Todo mundo tem aquela coisa de quando alguém morre, de sentir saudade . Aí você tem o corpo para ir lá, tem o túmulo para chorar a saudade. Eu não tenho isso. Não tenho um lugar para ir lá e dizer “olha, o corpinho da minha filha está lá enterrado”. São duas perdas que não tem como comparar. Ainda mais porque a morte dela foi muito rápida. Aceitar a morte já estava difícil, pelo jeito que foi. Quando a criança está doente, a gente não quer que morra, mas fica com aquela apreensão. Com ela não. Foi do nada. Ela escapou da minha mão como areia. E depois isso no cemitério. Eu não tenho mais nenhum lugar para chorar por ela. É uma sensação horrível. Não tem explicação. Parece que a cada dia vai ficando pior a dor. Parece que fica mais distante de encontrar, de solucionar.
Você tem medo de qual pode ser a resposta para o crime?
Rita de Cássia de Souza – Eu quero uma resposta, mas tenho medo da resposta que vou encontrar. No cemitério falaram que já aconteceram outros casos [de vilipêndio de cadáver], mas foram totalmente diferentes do da minha filha. Eles falaram de casos de necrofilia, mas o corpo não foi levado. O único que levaram era de um cara que era traficante. Mas até nesse caso levaram só o corpo e deixaram o caixão. Nisso eu fico me perguntando o porquê disso com a Valentina?
Como tem sido seus dias desde que tudo isso aconteceu?
Rita de Cássia de Souza – Não estou conseguindo trabalhar. Eu até fui trabalhar uns dias, achei que se pudesse ocupar a mente… Só dia 22 fez um mês que aconteceu. Tive uma recaída e não consegui voltar a trabalhar. Só levanto de manhã porque tenho outra filha, preciso fazer comida para ela e tentar ficar forte. Mas não dá vontade de nada. Eu estava tomando só um calmante, agora estou tomando dois. A médica queria me encostar do trabalho. Todo o dia é só chorar, chorar, chorar. E não posso nem ir no cemitério chorar. A gente sabe que estão investigando, mas não chegam a lugar nenhum porque não têm uma conclusão.
A Polícia Civil diz que o caso tem prioridade na DHPP. Isso parece óbvio para você?
Rita de Cássia de Souza – Isso eu já não sei com certeza. Eles estão investigando, mas não sei se com prioridade.
Você esperava respostas mais rápidas?
Rita de Cássia de Souza – Sim. Ainda mais porque é uma coisa que, com o passar do tempo, vai ficar muito mais difícil de ser investigada. Já tem um mês e pouquinho. Se encontrar o corpo dela, vai ser mais complicado para descobrir que é o corpo dela realmente.
Como você lida com a lembrança de sua filha?
Rita de Cássia de Souza – Ainda não consegui doar as roupas dela. Parece que se eu me desafazer das coisas dela estou me desfazendo dela. Já peguei o hábito ficar cheirando as roupinhas. Aí eu choro. O berço dela era ao lado da minha cama. Eu tinha mania de acordar à noite, nas vezes em que ela não acordava de noite para mamar, e ia ver se ela estava respirando. Agora, no mesmo horário, eu acordo e vejo que ela já não esta mais lá. Não estou conseguindo ficar em casa porque a dor é muito grande. Eu voltei para casa, procurei ajuda, me falaram que eu tinha que enfrentar. Mas não estou conseguindo. Fico na casa da minha mãe porque na minha casa a toda hora vejo coisas que me lembram dela.
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Você acha que alguém tem culpa de tudo isso?
Rita de Cássia de Souza – A gente fica pensando que se a médica do dia anterior tivesse feito um raio-x teria visto que ela estava mal. Até fiquei me culpando no começo, pensando que deveria ter levado ela cedo ao postinho e não ter ido trabalhar. Mas todo mundo me fala que não teria adiantado porque o médico poderia mandar de novo para casa dizendo que tinha que esperar o remédio fazer efeito. Eu fiz o meu papel, mas eles não fizeram o procedimento deles.
E quanto à segurança do cemitério?
Rita de Cássia de Souza – No cemitério, disseram que esse não foi o primeiro caso [de vilipêndio], que já pegaram corpos e fizeram coisas horríveis. Mas nesses casos pelo menos deixaram o corpo para a família enterrar de novo. Mas o dela não. Levaram o corpo e o caixão da minha filha. E se já aconteceu antes, por que não tomaram medidas desde o primeiro caso? Agora fecharam tudo [os acessos secundários dos cemitérios], mas precisava esperar isso acontecer?