Andar na linha

Dicionário disciplinar ditava regras dentro da carceragem

Entre os objetos encontrados na revista, um celular e alguns estoques. Foto: Divulgação/Guarda Municipal de Araucária

Revistas dentro de celas de delegacias, os chamados “bate grades”, são coisas rotineiras. Mas a que aconteceu na última sexta-feira (04), na delegacia de Araucária, revelou o poder de organização da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Os policiais civis e guardas municipais que conduziram a revista encontraram um “Dicionário Disciplinar”, que determina punições para determinadas condutas dos presos no local. Também encontraram um relatório de atividades da “unidade”, falando do comportamento dos presos e acontecimentos da semana.

A capa do manual vem escrito “Dicionário Disciplinar 15.3.3” (números que, no alfabeto, correspondem às letras PCC). Mas o que eles chamam de “dicionário” é como uma lei, que tem seus artigos e as devidas punições a quem descumpre determinado comportamento.

Dicionário disciplinar encontrado numa das celas. Foto: Divulgação/Guarda Municipal de Araucária
Dicionário disciplinar encontrado numa das celas. Foto: Divulgação/Guarda Municipal de Araucária

Com um português bem sofrível, o “dicionário” fala de “atos”, como o “ato de talarico (de se envolver com a mulher do outro)”, “ato de malandrismo”, “atitude isolada”, “abandono de responsa”, “condução de prazo”, “desconprimento (sic) de palavras”, “estorção (sic)”, “falta de interese (sic)”, entre outras regulamentações de atitudes, como se fossem “legisladores” da cadeia. Aliás, a língua portuguesa não é o forte do “Dicionário”. Há muitos erros de português e gírias, que em certos trechos o entendimento fica comprometido: intendimento, detequitado, possiciona, emcima, etc.

As punições são diversas, desde pagar “90” até ser expulso. Ou o “prejudicado” pela atitude é quem determina a punição. Mas o fato é que tudo deve passar pela “sintonia”, ou seja, o grupo que organiza as ações daquela unidade da facção e julga as indisciplinas.

Relatório

Além do “Dicionário”, os guardas e policiais também encontraram um relatório semanal, onde provavelmente a “sintonia” relata o comportamento dos presos daquela “unidade” do PCC, a unidade “cma”. Os relatórios são feitos por celas (os “X”) e os presos têm códigos ou apelidos. Lá eles informam o estado de saúde de presos que precisaram de ajuda médica, os presos que chegaram ou saíram daquela cadeia, os desentendimentos (o “galinha”, que brigou com o “mikjheguer”) e quais providências foram tomadas para os “brigões”.

Relatório com as atividades semanais dentro da cadeia. Divulgação/Guarda Municipal de Araucária
Relatório com as atividades semanais dentro da cadeia. Divulgação/Guarda Municipal de Araucária

Providências

Tanto a Guarda Municipal, quanto a Polícia Civil, confirmam a revista e o encontro do “Dicionário”. Mas, por ser fim de semana, a reportagem não conseguiu confirmar o que foi feito dos “documentos”, encontrados junto a um celular, estoques e outros objetos provavelmente usados para quebrar paredes e grades. O celular, diz um post da Guarda Municipal no Facebook, estava dentro de um vidro de shampoo, no arredor da delegacia. Não se descarta a possibilidade que tenha sido jogado pelo lado de fora, na tentativa de que fosse arremessado no teto do solário. Mas quem jogou, errou a mira.

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