O deputado João Paulo Cunha (PT-SP) admitiu hoje (24), no Conselho de Ética da Câmara, que os R$ 50 mil que sua mulher, Márcia Regina, sacou em 4 de setembro de 2003 da conta da agência de publicidade SMP&B nunca foram registrados na contabilidade do PT. Ele negou que soubesse que os recursos vinham da SMP&B, do empresário Marcos Valério, acusado de ser operador do ‘mensalão’. Disse que usou o dinheiro para pagar 4 pesquisas eleitorais na região de Osasco, mas não prestou contas ao partido. O relator de seu processo, Cezar Schirmer (PMDB-RS), porém, levantou suspeitas sobre as três notas fiscais do instituto DataVale que ele apresentou.

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Emitidas em nome de João Paulo, as notas atestam pagamentos no total de R$ 51 mil, todos em 2003. O primeiro, de R$ 30 mil, foi feito em 10 de setembro. O segundo, de R$ 11 mil, em 30 de setembro. O terceiro, de R$ 10 mil, em 19 de dezembro. Mas Schirmer apontou que as três têm números seqüenciados, 151, 152 e 153. "Ou esta empresa, durante quatro meses, só realizou estes três trabalhos, ou houve sonegação fiscal."

A suspeita é que as notas tenham sido providenciadas de última hora, depois que estourou o escândalo do ‘mensalão’. João Paulo disse que não sabe explicar os números seqüenciados. Alegou que não foi ele quem contratou as pesquisas e só providenciou os recursos para pagá-las e nem prestou contas ao PT. "Não dei a devida atenção ao comprovante fiscal na ocasião. Prestei contas oralmente, quando comentei no partido os resultados das pesquisas. Sinceramente, este é o tipo de serviço que se confere a veracidade com o resultado das pesquisas, mais do que com notas."

No depoimento de 5 horas, João Paulo garantiu que acreditava estar recebendo recursos "da tesouraria nacional do PT" e não da SMP&B. Ele disse que pediu o dinheiro ao então tesoureiro, Delúbio Soares, que o orientou a fazer o saque na agência de Brasília do Banco Rural. Lá, Márcia recebeu o dinheiro e assinou recibo de que descontara cheque da SMP&B. "Ela não tinha obrigação de saber o que significava SMP&B. Ela me disse apenas que havia assinado recibo em nome dela", contou.

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"Se soubesse que tinha qualquer possibilidade de irregularidade, se soubesse que a SMP&B ia ganhar a conta (de publicidade) da Câmara, eu ia mandar minha esposa tirar dinheiro? É me chamar de idiota. Não sou tão estúpido", prosseguiu. "Foi determinação do Delúbio. Eu tinha certeza de que o dinheiro era oriundo dos cofres do PT."

Ele disse ter conhecido Valério em dezembro de 2002 e mantido "relacionamento bastante intenso" nos meses seguintes, já que sua campanha para a presidência da Câmara foi feita pela DNA, outra agência de publicidade de Valério. Pela campanha, o diretório nacional do PT pagou R$ 150 mil à DNA. No fim de setembro de 2003, a SMP&B ganhou a licitação e ficou com a conta de publicidade da Câmara, contrato de R$ 10,7 milhões.

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Schirmer leu trecho de relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que considera suspeito o fato de 99,9% dos contratos feitos pela SMP&B para a Câmara terem sido subcontratados. João Paulo defendeu-se dizendo que nunca teve acesso ao relatório nem sabe que subcontratações estão em dúvida.

Para os deputados do conselho, muitos pontos ficaram sem resposta ou não foram esclarecidos. Eles estranham o fato de Valério ter visitado João Paulo em 3 de setembro de 2003, véspera do saque feito por Márcia. O petista alegou que o empresário foi "dar um abraço" e não se falou em recursos nem na licitação para a conta da Câmara.

O deputado confirmou que Valério lhe deu de aniversário, em junho de 2003, uma caneta Montblanc. E no mesmo ano pagou viagem de sua secretária, Silvana Japiassu, e da filha para o Rio. Em agosto deste ano, depois que foi revelado o saque de R$ 50 mil, ele doou a caneta e o valor da viagem, R$ 3.084,20, ao Fome Zero. "Achei que não era prudente manter estes fatos como vínculo do relacionamento (com Valério)", disse.

Para Schirmer, o "desempenho pessoal" de João Paulo foi bom, mas o que conta são fatos. Foram ao depoimento os principais líderes do PT, como seu presidente, Ricardo Berzoini (SP), o líder do governo, Arlindo Chinaglia (SP) e o líder do PT Henrique Fontana (RS). João Paulo pediu pressa na conclusão dos trabalhos. "Nem sequer apresentei testemunhas de defesa. Quero que minhas testemunhas sejam os 512 deputados federais", afirmou.