Saneamento ou enfeite?

Os políticos brasileiros são dados a encontrar explicações plausíveis para alguns de seus defeitos mais graves. Uma delas é afirmar sem nenhum constrangimento que não vale a pena investir em saneamento básico, tendo em vista que as obras ficam abaixo da superfície e, destarte, dificilmente são lembradas pela população.

Talvez esse disparate esclareça, em parte, por que há tantos prefeitos e governadores mais afeitos a obras puramente ornamentais, ou seja, aquelas conhecidas geringonças arquitetônicas que só servem para justificar campanhas de publicidade, ao passo que deixam para os sucessores, e esses para as calendas, projetos de real interesse da coletividade.

Pois a Fundação Getúlio Vargas (FGV), acreditada instituição destinada à investigação de problemas políticos, sociais e econômicos, caracterizada pela seriedade de seus estudos e conclusões, de certo modo, bastante conservadores, expõe à nação uma de suas piores mazelas: mais da metade dos domicílios brasileiros (51,5%) não são assistidos por redes de coleta e tratamento de esgoto. A informação foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, na edição de domingo.

Os últimos quatorze anos foram perscrutados pelos pesquisadores, que analisaram os resultados de quatro administrações federais, verificando que o setor de saneamento cresceu reles 1,59% a cada ano. Nesse ritmo, os técnicos que elaboraram a pesquisa concluem que para cortar pela metade o déficit do saneamento básico seriam necessários 56 anos e seis meses.

Segundo os autores da matéria, ainda em 2063 o Brasil conviveria com o percentual de 25% das residências sem o benefício civilizado e altamente significativo para a manutenção da saúde, especialmente das crianças, da coleta e tratamento do esgoto doméstico. O economista Marcelo Neri, da FGV, reduziu a questão a seus termos mais objetivos: ?Esse é um problema sistêmico de política pública. Enquanto o País avança no combate à pobreza a uma velocidade quatro vezes maior do que a determinada pelas Metas do Milênio, não chega à metade do que deveria na questão do saneamento?.

A projeção foi feita com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada periodicamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Resta a lamentar que resultados auspiciosos registrados pela pesquisa domiciliar que a instituição acaba de revelar, como a diminuição dos índices de pobreza, o aumento da renda e do consumo familiar, sejam maculados pelo pífio desempenho dos governos em projetos imprescindíveis para a melhoria da qualidade de vida, de resto um valor social somente lembrado na hiperbólica oratória política ou na propaganda oficial.

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