Àqueles que não sabem, mas que certamente descobrirão, segue o aviso: toda relação precisa de uma certa pitada de ousadia. Claro, é preciso avisar de ante- mão, àqueles que ainda não sabem, mas que certamente descobrirão, que pitadas demais na relação mistura os sabores, põe sabor demais nos ingredientes e ai, torna a iguaria não palatável.
Mas, já que é assim, deixemo-nos fantasiar-se. Uma relação precisa de um levanta-moral. Desses simples, que a gente ouve falar por toda parte. Desses que a gente duvida, mas sente uma vontade, quase irresistível de experimentar. Às vezes é uma receita milenar, acompanhada do rótulo, ?é infalível?. Às vezes é um combinado de elementos exóticos que ao primeiro olhar só nos deixa a impressão de que é perigoso, e para alguns, isso já seria o bastante para o degustar e às vezes já chega com o emblema da descrença. Enfim, as relações necessitam de certas receitas, mesmo que algumas a modifiquem. Nenhuma relação pode ser amórfica, e, portanto, tudo que for possível, para tornar um a base da existência do outro, que assim seja. Um certo fetiche não faz mal a ninguém.
Resgatando um pouco o significado da palavra feitiço chegamos, na sua primeira definição, no medievo português, onde feitiço era parente do fetiche, e se assim o é, deixemo-nos levar pelos feitiços que alimentam nossas relações.
Tantas falas pontuadas por um ar libidinoso é só para dar mais calor à relação, apimentá-la um bocadinho mais. Estou tão-somente falando da relação do homem com os livros. É possível localizar pessoas que tenham uma relação quase doentia com eles; é possível localizar pessoas que dependem totalmente deles, mas problemas à parte, lancemo-nos ao mundo dos livros e nos deixemos saciar por eles. Atiremo-nos nos braços de um bom escrito e deixemo-nos prazeirar-se. É salutar. É uma relação que todos podem e têm o direito de descobrir. Façamos uma apologia: fica decretado que todo homem tem o direito de um relacionamento extraconjugal dessa natureza.
E, para aqueles que ainda não sabem, mas que certamente descobrirão, as salas de leitura podem funcionar como um objeto desses. As salas de leituras que idealizamos constituem um espaço relacional em que o eu e os outros ocupam um mesmo lugar. Compreendam espaço como dimensão sócio-relacional e não somente como dimensão físico-ocupacional. O espaço da sala de leitura é onde o outro tem o mesmo poder de comando, de ordem, de dúvida, de alegria que eu. É o espaço onde a base a ser constituída está fundamentada na história individual de cada participante dela, o que implica dizer que esses espaços só encontrarão sentido se verdades não forem colocadas com supremacia e imposição. Isso quer dizer que esses espaços serão lugares onde as pessoas, das mais diferentes idades, credos e formações, se permitirão mais, ou tão-somente, se permitirão um pouco. Isso quer dizer que os espaços das salas de leituras serão os espaços do tesão, do orgasmo, da volúpia, da luxuria, que advêm das letras, dos sons, das figuras, dos ícones, dos traços ou tão simplesmente do cheiro de folhas de papel velho e amarelado, donde emanam lembranças de tempos já idos, donde saltam brincantes sonhos esquecidos e para onde vão velhos segredos da alma.
As salas de leituras são possibilidades de colocar o homem em lugares há tempos esquecidos, mas que ainda pertinentes para se estar. As salas de leituras poderão ser barracas de leituras, cabanas de leituras, árvores de leituras, bancos de leituras, praças de leituras. Quaisquer que sejam os espaços físicos, o que deve existir sempre é uma deliciosa vontade de sentir prazeres novos ou de descobrir outros ainda não conhecidos ou simplesmente de tentar fazer com que, leitores e leitores possam assegurar vontades próprias, dessas que fogem às minhas, às suas e às colocações de todos os outros, mas que são próprias. Salas de leituras: para um novo incêndio romântico, nós precisamos do amor!