Há indicadores de que o Brasil, sob Lula e em grande parte sobre os alicerces montados pelo governo que o antecedeu, vem crescendo, desenvolvendo-se, conquistando metas importantes, como o aumento da geração de empregos e redução da miséria. Isso é bom, mas não atestado de que bom também é o governo, pois há de se considerar que as conquistas não se dão de forma substancial, considerados os pontos de partida que geralmente mostram números pífios. Índices que ainda nos colocam entre os países subdesenvolvidos ou, no máximo, entre os em desenvolvimento. E há um quadro bastante amplo de pobreza até absoluta em meio à prosperidade constatada.
São muitos os pontos falhos nesse processo de desenvolvimento. Não alcançam índices razoáveis a segurança da população, a redução palpável da corrupção, o atendimento à saúde, e permanece o sentimento geral de que este é o País da impunidade. Há poucas semanas, num estudo internacional, foi revelado que o povo brasileiro, entre os demais que habitam este periclitante planeta, é dos que mais sofre do mal do medo. O brasileiro tem medo de sair para passear, para trabalhar, para levar os filhos à escola (quando não porque estes têm de ir sozinhos). Sair à noite, notadamente nas grandes cidades, mas hoje mesmo nas médias e pequenas, é um risco bastante palpável. Assaltos, assassinatos, ações do crime organizado nas barbas das autoridades, ou mesmo voltados contra elas, enchem os noticiários.
Os brasileiros recebem o salário do medo, para usar o tema e o título de um antológico filme francês que descrevia dois motoristas de caminhão transportando nitroglicerina por uma estrada esburacada, com o risco de que uma sacudidela mais violenta fizesse tudo ir pelos ares. Já se calculam os bilhões que os brasileiros e o Brasil perdem em razão desse constante medo. Há quem desista de certos empregos porque em lugares perigosos ou, para alcançá-los, terem de percorrer caminhos pouco seguros. De gente que deixa de estudar pelo mesmo motivo, ou porque tem, por condições econômicas, de optar por cursos noturnos, submetendo-se aos riscos que nem a luz do dia evita. A insegurança ainda é maior porque não há confiança no sistema policial nem no judicial. Sucessivos recursos sempre levam os delinqüentes, notadamente os que dispõem de dinheiro para contratação de bons advogados, à liberdade, mesmo quando evidente sua responsabilidade. Aí, há de se considerar o arcabouço jurídico frágil, leniente, que temos e que mais busca a liberdade e a absolvição para os criminosos que sua retirada do meio social que agride e ameaça. Não bastasse a legislação frágil, considere-se ainda o excesso de processos a abarrotar o sistema judiciário, tornando lento, senão totalmente emperrado, o processo de aferição de crimes e seu julgamento.
Todos esses males podemos atribuir basicamente ao Poder Legislativo, já que ele é que faz as leis, organiza o País ou o desorganiza, dependendo da procedência e efetividade das leis que vota. E das que deixa de votar, mesmo quando urgentes e indispensáveis. Tanto o Poder Executivo, mesmo quando péssimo, e o Poder Judiciário, quando inoperante e ineficiente, dependem dos ditames que, via legislação, lhes impõe o Legislativo.
Aí está o mal e o mau exemplo. O nosso Poder Legislativo é formado de colegiados montados de acordo com uma legislação política inadequada e que reclama, com urgência urgentíssima, uma reforma política. A falta desta e da adoção de normas sérias para a formação da representação popular, leva a que o Legislativo chegue onde chegou: uma fonte de escândalos, negociatas, ?dá cá, toma lá? e a última coisa que entra em consideração é o interesse do povo.
O nosso problema não é de homens, mas de sistemas, que põem no comando do País homens que não têm condições morais para governá-lo. E, agindo da forma interesseira ou displicente, dão o mau exemplo que leva o Brasil a crescer a duras penas, pagando o salário do medo.