De início cumpre distinguir indulto de natal de saídas de natal. O primeiro é um perdão – total ou parcial estipulado exclusivamente pelo presidente da República, mediante decreto, beneficiando pessoas condenadas definitivamente pela justiça. O indulto natalino tradicionalmente decretado nas proximidades do final de cada ano, daí a denominação comumente beneficia um contingente inusitado de criminosos de todo país, ora porque muitos estão presos há mais de 15 anos, ora porque são portadores de doenças graves. No indulto o condenado é perdoado definitivamente (indulto pleno) ou parcialmente (comutação de pena), como se houvesse cumprido a pena fixada na sentença penal condenatória ou de outra parte reduzindo a sanção imposta ao criminoso. Para sua concretização, entretanto, é necessário que haja um requerimento formulado por advogado, acompanhado de pareceres do ministério público e dos conselhos penitenciários dos estados, mas declarados por sentença pelo juiz de Execução Penal. Esse indulto, todavia, não pode ser estipulado em favor de quem cometeu crimes graves (hediondos), como o tráfico ilícito de entorpecentes, estupro, atentando violento ao pudor, latrocínio e homicídio qualificado, dentre outros, porque a Constituição de 1988 não permite. Perdoado totalmente (indulto pleno), o juiz de Execução Penal dá a pena fixada como cumprida e o réu volta a ser primário. Como o decreto presidencial é editado geralmente no final de cada ano, somente a partir de março do ano seguinte esses pedidos começam a ser processados na Vara de Execuções Penais. O indulto remonta das Ordenações Filipinas (portuguesa), que vigoraram no Brasil até a promulgação do primeiro Código Penal de 1830. Desde então, as constituições brasileiras vêm mantendo essa prerrogativa presidencial, inclusive a de 1988 (art. 84, XII).
Saída de natal, pelo contrário, não perdoa o criminoso e nem reduz a sua pena, embora também seja autorizada pelo juiz de Execução Penal. Aqui, ela só pode ser autorizada em relação a presos que estejam cumprindo pena em regime semi-aberto e que apresentem bom comportamento carcerário, ou seja, àqueles condenados que já passaram pelo fechado e estão prestes a cumprir a pena. Como uma das finalidades da sanção penal é a reintegração social do condenado e, ademais, sabendo-se que o Brasil não adota a pena de morte e nem prisão perpétua, está bastante claro que esse criminoso mais dias, menos dias retornará ao convívio social, até porque ninguém pode ficar mais de 30 anos detido no Brasil.
Como uma das disposições da Lei de Execução Penal já autoriza a saída do preso em regime semi-aberto para visitas mensais à família e até para desenvolver atividade profissional fora dos muros da prisão, sem qualquer vigilância, tornou-se costumeiro, no Brasil, no período de natal e ano novo, consagrar ao recluso a possibilidade de conviver com maior assiduidade com seus familiares e amigos, justamente num momento em que a humanidade celebra o nascimento de Cristo e o espírito de fraternidade campeia.
Nesse prisma, cumpre esclarecer que dificilmente o condenado consegue se recuperar do mal social que cometeu sem a participação da família, daí a importância dessas saídas. Por outro lado, o momento das festividades de final de ano não deixa de ser um período propício para o condenado meditar e refletir sobre o mal social que cometeu, sendo certo que embora alguns voltem a delinqüir, outros tantos se regeneram. Reconhecendo que o instituto das saídas de natal costumeiramente sofre profundas críticas por parte dos meios de comunicação e da própria sociedade, face aos resquícios de violência e do medo social que impera entre nós, contudo, é preciso dar a oportunidade a quem cometeu um crime de se recuperar, não só porque estamos cumprindo uma exigência legal, mas, acima de tudo, como forma de humanizar o presidiário, preparando-o para o seu retorno à sociedade, ?pois hoje ele está contido, mas amanhã estará contigo?, no dizer de Alvino Augusto de Sá.
Adeildo Nunes é mestre em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa, juiz de Execução Penal em Pernambuco, membro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e professor universitário. adeildonunes@uol.com.br