A interlocução do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e setores credenciados na estrutura orgânica do Partido dos Trabalhadores passou a apresentar ruídos desde o escândalo do valerioduto. A constatação pôde ser vislumbrada nas primeiras tratativas para a escolha de um candidato de conciliação à presidência da Câmara dos Deputados.
Há algumas semanas, dentre os primeiros nomes a despontar – Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia – Lula não escondia o entusiasmo pela reeleição do atual presidente Aldo Rebelo (PCdoB-SP), em detrimento do desejo também manifestado por seu próprio partido com o lançamento da candidatura do deputado paulista, líder do governo na Câmara.
Na ocasião, embora tivesse optado igualmente pela disputa da presidência da Casa, o PMDB preferiu aguardar o desenrolar dos acontecimentos, deixando para momento oportuno a indicação do escolhido para a disputa. O PMDB tem a maior bancada de deputados federais e, assim sendo, desfruta a prerrogativa regimental de eleger o presidente da Câmara, já que tem votos suficientes para fazê-lo.
Todavia, as negociações conduzidas pelo Palácio do Planalto sempre se pautaram pela ênfase no governo de coalizão, dando-se como argumento de peso a reeleição de Rebelo, parlamentar de excelente relacionamento com os companheiros e, portanto, apto a ajudar na costura do entendimento em torno da maioria tranqüila.
Num lance explícito de campanha eleitoral, tanto Chinaglia quanto Rebelo acenaram com a elevação dos salários dos deputados para R$ 24,5 mil, o teto percebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas o tiro saiu literalmente pela culatra. A cabala foi submergida pela onda de críticas veementes da sociedade organizada e pulverizada pela decisão do próprio STF.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também candidato à reeleição e ferrenho defensor do aumento de 91% no salário dos senadores, percebendo o estrago causado pela disparatada pretensão, mudou de idéia. Como o oponente mais forte na disputa pela presidência é o senador José Agripino (PFL-RN), embora com pouquíssimas chances de se eleger, Calheiros deverá ser reconduzido ao cargo.
A simpatia de Lula pela reeleição de Rebelo, porém, diminuiu de forma visível, a ponto de o presidente da executiva nacional do PT, Marco Aurélio Garcia, em carta enviada ao deputado Michel Temer, com equivalência de função no PMDB, propor uma aliança entre ambos os partidos, apoiando agora Arlindo Chinaglia para presidir a Câmara e reservando para 2008 a indicação de um deputado peemedebista. Tudo indica que essa é a linha de raciocínio das duas maiores bancadas da Câmara, restando apenas afinar os instrumentos de um e outro solista para sacramentar o acordo.
O desatino da proposta imoral do aumento de salários resultou no desmerecimento da candidatura de Rebelo, representante dum partido que conseguiu eleger apenas 12 deputados e foi enredado pelas malhas da cláusula de barreira. É provável que a simpatia de Lula tenha fenecido em face do voluptuoso desejo de aumentar vencimentos por decisão unilateral.
Não é de todo estranho imaginar, de outro lado, que a abalada convicção do presidente na reeleição de Rebelo também sofreu forte barragem dos operadores da candidatura petista, cuja jogada estratégica foi oferecer reciprocidade ao PMDB, abafando um provável conflito intestino na aliança. A eleição está marcada para o início de fevereiro e até lá muita água vai correr por baixo da pinguela.