Em 29 de março de 1921 foi realizada a solenidade de formatura dos bacharelandos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. O ato solene fora adiado de dezembro para março em decorrência da doença que acometera Rui Barbosa, escolhido paraninfo. Em vão o adiamento, pois também na nova data não pode estar presente, sendo seu discurso lido pelo Diretor da Faculdade, o professor Reinaldo Porchat.

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Rui Barbosa iniciara os estudos jurídicos na Faculdade de Direito do Recife, mas transferiu-se para São Paulo, integrando a Turma de 1870, cinquenta anos antes. Por isso, ao iniciar sua oração, Rui escreveu:

“Não quis Deus que os meus cinqüenta anos de consagração ao direito viessem receber no templo do seu ensino em São Paulo o selo de uma grande benção, associando-se hoje com a vossa admissão ao nosso sacerdócio, na solenidade imponente dos votos que o ides esposar”.

Rui Barbosa nasceu na Bahia em 5 de novembro de 1849 e morreu no Rio de Janeiro a 01 de março de 1923, para onde viera em 1879 ao ser eleito para a Assembléia Legislativa da Corte Imperial.

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A casa em que viveu naquela cidade de 1895 até 1923, hoje é o Museu Casa de Rui Barbosa, administrada, assim como todo seu acervo, pelo governo federal através da Fundação Casa de Rui Barbosa, Ministério da Cultura. Móveis, objetos de família, a biblioteca e todos os arquivos são mantidos naquela Casa. Pelo site www.casaruibarbosa.gov.br pode-se ter acesso às obras completas, textos selecionados, principais fatos da vida de Rui, documentos, pesquisas e até informações preparadas especialmente para as crianças.

Senador e por duas vezes candidato a Presidente da República, é conhecido como o “Águia de Haia”, em referência à sua memorável participação na Segunda Conferência Internacional da Paz, realizada em Haia em 1907. Posteriormente, Rui seria eleito para Juiz daquela Corte Internacional. Presidiu a Academia Brasileira de Letras após a morte de Machado de Assis. Jurista, advogado, parlamentar,  político, orador e escritor, notabilizou-se quer pela sua ação no campo do Direito, como no da Política.

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Oração aos Moços foi o seu discurso de paraninfo, até hoje um dos  mais importantes textos sobre a justiça, o magistrado, o advogado, a política, a vida social, a ação do governo, a crença em Deus.

Eis alguns pontos que Rui assinala sobre a advocacia:

“Na missão do advogado também se desenvolve uma espécie de magistratura. As duas se entrelaçam, diversas nas funções, mas idênticas no objeto e na resultante: a justiça. Com o advogado, justiça militante.Justiça imperante, no magistrado”.

“Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. Não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínio a estes contra aqueles. Não servir sem independência à justiça, nem quebrar da verdade ante o poder. Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniqüidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas, quando justas. Onde for apurável um grão, que seja, de verdadeiro direito, não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial. Não proceder, nas consultas, senão com imparcialidade real do juiz nas sentenças. Não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com  altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem”.

Já à época, ao examinar o papel da magistratura, assinala, com objetividade marcante uma questão atual:

“Nada se leva em, menos conta, na judicatura, a uma boa fé de ofício que o vezo de tardança nos despachos e sentenças. Os códigos se cansam debalde em o punir. Mas a geral habitualidade e a conivência geral o entretêm, inocentam e universalizam. Destarte se incrementa e demanda ele em proporções incalculáveis, chegando as causas a contar a idade por lustras, ou décadas, em vez de anos”.

“Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, a lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinqüente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente”.

“Não sejais, pois, desses magistrados, nas mãos de quem os autos penam como as almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos como as preguiças do mato”.

Também nele estão consignados vários posicionamentos sobre temas definidores da vida social, como o sobre a igualdade:

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade.O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem”.

Ao relembrar a questão da Liberdade e do Direito relacionada com as posições do Brasil em um momento histórico da Primeira Guerra Mundial, conclamou à Nação:

“O Brasil, em 1917, plantou a sua bandeira entre as da civilização nos mares da Europa. Daí não se retrocede facilmente, sem quebra da seriedade e do decoro, senão dos próprios interesses”. 

“Agora, o que a política e a honra nos indicam, é outra coisa. Não busquemos o caminho de volta à situação colonial. Guardemo-nos das proteções internacionais. Acautelemo-nos das invasões econômicas. Vigiemo-nos das potências absorventes e das raças expansionistas. Não nos temamos tanto dos grandes impérios já saciados, quanto dos ansiosos por fazerem tais à custa dos povos indefesos e malgovernados. Tenhamos sentido nos ventos, que sopram de certos quadrantes do céu. O Brasil é a mais cobiçável das presas; e, oferecida, como está, incauta, ingênua, inerme, a todas as ambições, tem, de sobejo, com que fartar duas ou três das mais formidáveis”.

Em Curitiba, na praça Santos Andrade, esculpida pelo mestre João Turin, há uma estátua em bronze  de Rui Barbosa que, em gesto firme, mas suave, saúda a quase-centenária Universidade Federal do Paraná. A seus pés, uma belíssima águia abre suas asas em vôo magnífico. Na placa afixada no monumento, a homenagem dos professores e estudantes de Direito: “Amou a Justiça, Viveu no Trabalho e não Perdeu o Ideal”.

Daquela praça, das escadarias da Universidade, sob a inspiração libertária de Rui, reúnem-se e iniciam suas passeatas os manifestantes pelas causas da justiça, da igualdade, da fraternidade e da solidariedade.

Edésio Passos é advogado, ex-deputado federal(PT/PR), diretor administrativo da Itaipu Binacional