Roubo: insignificância e irrelevância da pena

O STJ, confirmando entendimento recentemente exposto no REsp 1.159.735 MG, reafirmou a impossibilidade de se aplicar o princípio da insignificância ao crimes de roubo, tendo em vista a peculiaridade de o crime apresentar violência ou grave ameaça à pessoa. Mais uma vez, os autos originam-se do Tribunal de Justiça mineiro que, contrariando posição adotada no mencionado Recurso Especial, acatou orientação do Tribunal da Cidadania e assim determinou:

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 157, § 2.º, INCISO II, CP. AUTORIA E MATERIALIDADE INCONTESTES. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO. VIOLÊNCIA FÍSICA E GRAVE AMEAÇA. TAPA NO ROSTO. PALAVRA DA VÍTIMA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PERSEGUIÇÃO. DELITO CONSUMADO. ISENÇÃO DO PAGAMENTO DAS CUSTAS. Se para efetuar a subtração um dos agentes desfere um tapa no rosto da vítima e o comparsa a ameaça, dizendo para ficar quieta, não há que se falar em furto, mas, sim, no delito de roubo. Nos crimes de roubo, ainda que o valor da ‘res furtiva’ seja reduzido, não se aplica o princípio da insignificância, já que o bem jurídico tutelado é, além da propriedade, a liberdade individual e a integridade física e moral da vítima, valores que jamais podem ser tidos como insignificantes.

(…)
Para justificar a inaplicabilidade do princípio em questão a estes fatos, em seu relatório, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho assim explanou:
(…)

4. Dest’arte, apesar de não se olvidar a relevância do princípio em comento como forma de limitar eventuais excessos que a norma penalizadora possa causar ao ser rigidamente aplicada ao caso concreto, é importante ressaltar, por outro lado, que não pode ser empregado indistintamente, sob pena de incentivar a prática de pequenos delitos e, em última análise, gerar a insegurança social.

5. O caso em apreço, apesar do ínfimo valor do bem subtraído, não merece aplicação o postulado permissivo, eis que o delito de roubo não ofende apenas o patrimônio furtado mas também a integridade física da vítima que jamais pode ser considerada como um irrelevante penal.

E assim concluiu a Quinta Turma:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PENA APLICADA: 5 ANOS E 4 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DELITO COMPLEXO. PLURALIDADE DE BENS JURÍDICOS OFENDIDOS. INTEGRIDADE FÍSICA DA VÍTIMA QUE JAMAIS PODE SER CONSIDERADA COMO UM IRRELEVANTE PENAL. PRECEDENTES DO STJ. CRIME CONSUMADO. DISPENSABILIDADE DA POSSE TRANQÜILA DA RES FURTIVA. PARECER DO MPF PELO CONHECIMENTO EM PARTE DO WRIT E, NESSA PARTE, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.

1. Apesar do ínfimo valor do bem subtraído, o caso sub judice não merece a aplicação do postulado permissivo (princípio da insignificância), eis que o delito de roubo não ofende apenas o patrimônio furtado, mas também a integridade física da vítima que jamais pode ser considerada como um irrelevante penal. Precedentes do STJ.
2. Conforme orientação já sedimentada nesta Corte, a posse tranqüila sobre a res furtiva não é imprescindível para a consumação do crime de roubo.
3. Parecer do MPF pelo conhecimento em parte do writ e, nessa parte, pela denegação da ordem.
4. Ordem denegada.

Ao crime de roubo a jurisprudência pátria vem negando a aplicação do princípio da insignificância (porque, neste caso, não se pode levar em conta apenas o valor subtraído, senão também outros bens jurídicos muito relevantes). Como regra geral só nos resta concordar com essa linha jurisprudencial. O que é inconcebível é a jurisprudência brasileira (desde a primeira até a última instância) continuar ignorando o princípio da irrelevância penal do fato (ou seja: irrelevância da pena), que pode sim ser aplicável ao delito de roubo.

A insignificância relaciona-se ao injusto penal que já nasce insignificante (que se verifica pela ofensividade mínima da conduta, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressiva relevância do crime), ou seja, aplica-se às infrações bagatelares próprias.

O princípio da irrelevância penal do fato (isto é: da irrelevância da pena) destina-se a reger a infração bagatelar imprópria (aquela que nasce relevante para o Direito penal – porque há desvalor da conduta e desvalor do resultado, mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalmente desnecessária). Até mesmo no delito de roubo a pena pode se tornar dispensável (tudo depende do caso concreto: do desvalor da ação, do desvalor do resultado, do desvalor da culpabilidade do juízo de reprovação da culpabilidade, que leva em conta todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP).

Uma das diferenças centrais entre um princípio e outro é a seguinte: o primeiro (o da insignificância) conduz à atipicidade (material) do fato (o fato é atípico). O segundo se orienta à desnecessidade da pena (a pena se torna desnecessária, tudo dependendo do caso concreto). No roubo pode-se descartar de plano a incidência da insignificância, mas compete aos tribunais, de ofício ou quando há pedido nesse sentido, examinar a questão da incidência ou não, em cada caso concreto, do princípio da dispensa pena (da irrelevância da pena). Quem, no roubo, subtraiu R$ 10,00, sem violência, sem uso de arma de fogo ou outra arma, que ficou preso, que respondeu ao processo, que é primário, bons antecedentes etc. pode, eventualmente, ser beneficiado com o princípio da irrelevância da pena (da dispensa da pena, da desnecessidade concreta da pena para fins preventivos). Os advogados precisam trabalhar melhor esse princípio, para que os juízes comecem a analisar a sua incidência ou não em cada caso concreto.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, diretor-presidente da Rede de Ensino LFG e co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). www.twitter.com/ProfessorLFG. www.blogdolfg.com.br
Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

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