O presidente Lula, durante suas prematuras férias numa praia do Exército em Guarujá (SP), tem preocupações maiores que o uso do bronzeador. As chuvas o salvam de dolorosas queimaduras, mas a eleição para a presidência da Câmara põe em risco seu prestígio e pode comprometer até a sucessão presidencial. Ele quer a reeleição de Aldo Rebelo, mas o seu partido, o PT, tem como candidato seu líder, Arlindo Chinaglia. E setores independentes articulam uma terceira candidatura, que poderá, na divisão, tomar conta do cargo que, depois da vice-presidência, tem o direito de substituir o presidente.
Não morrem aí as preocupações de férias de Lula. Ele ainda tem pela frente questões como seu plano de desentravar o desenvolvimento do Brasil, para o qual deixou trabalhando três ministros, que também queriam férias, e a questão da Previdência, na qual ele e o vice José Alencar discordam. Lula quer deixar tudo como está para ver como é que fica, e o vice não escondeu, no primeiro dia em que o substituiu na chefia do governo, que considera imprescindível uma reforma do INSS. A questão é complexa, envolve a inamovibilidade de direitos adquiridos, o déficit gigantesco do sistema que vem sendo coberto pelo Tesouro Nacional, os benefícios a milhares de brasileiros que trabalharam, mas não contribuíram, e até uma questão ideológica: o sistema tem de ser auto-sustentável, ou é normal que numa democracia social ou socializada o governo banque o que faltar no sistema previdenciário?
Lula parece que começa a aceitar esta tese, antes levantada pela senadora Heloísa Helena, o que lhe custou a expulsão das hostes situacionistas e até a expulsão do PT que com o presidente ajudou a fundar. Ela considera a cobertura do Tesouro uma obrigação. Mas, mesmo que nos convençamos de que a Previdência dispensa reformas institucionais, é certo que é preciso mexer no vespeiro, pois o INSS tem sido vítima constante de fraudes e muito do dinheiro que lhe falta está indo para marginais, fantasmas e aproveitadores das carências de sua clientela.
Baseado em cruzamento de dados dos cadastros da Previdência Social, de eleitores e da Receita Federal, o Tribunal de Contas da União descobriu indícios de irregularidades em 23% dos benefícios pagos pelo INSS dentro de uma amostragem selecionada. Em 7.053 benefícios auditados, o TCU encontrou mais de mil pagamentos a mortos e o acúmulo de até 73 benefícios em nome de uma mesma pessoa, Magda dos Santos Lucena. É uma amostragem, portanto uma indicação de que o volume de maracutaias com o dinheiro da Previdência chega a quase um quarto do que é gasto a cada mês. Se pelo menos os que recebem merecidamente esses benefícios os tivessem rapidamente à disposição e em quantias suficientes, ainda poderíamos ter alguma condescendência para com a gigantesca instituição que, de falhas, não tem condições de escapar. Mas aí não são apenas falhas, mas vergonhosas e gigantescas falcatruas contra os trabalhadores e os pensionistas. E contra todo o povo brasileiro que banca a diferença, o déficit que seria muito menor, se inexistissem tantas irregularidades.
O ministro do TCU Marcos Vinícius Vilaça estimou que os prejuízos com falcatruas, se projetados ao total pago aos 23,6 milhões de segurados, poderiam superar a marca dos R$ 30 bilhões, bem perto do tão chorado déficit, que em 2005 foi de R$ 37,5 bilhões. Fica claro que se uma reforma institucional na Previdência é dispensável, como pensa Lula; ou indispensável, como prega seu vice José Alencar, a realidade é que uma reorganização profunda no INSS se impõe. Será uma reforma, não importa que nome lhe dêem.