Riscos e saídas

O jornalista Martin Wolf, do Financial Times, divulgou carta ao “caro presidente eleito Lula”. Nela, oferece congratulações e comiseração. Adverte que Lula foi eleito em um momento de crise econômica e o que fizer e disser nos próximos meses determinará não só o seu destino, como o do PT, o do Brasil e talvez até o da América Latina, na próxima década. Wolf destaca realizações de FHC, especialmente a eliminação da elevada inflação. Mas Lula herda uma crise de dívida muito agravada pela falta de confiança que os investidores nele demonstram.

O jornalista britânico descreve, em minúcias, o endividamento do nosso País, lembrando que a dívida líquida do setor público explodiu de 30% do PIB em 1994 para mais de 60% com as recentes altas do dólar. Referindo-se ao que informa John Williamson, do Instituto de Economia Internacional, em agosto 42% da dívida interna do País estava denominada em dólares, 8% era corrigido pela inflação e 37% estava vinculado à taxa de juros do “overnight” do Banco Central. Acrescenta que o mais importante é que 80% da dívida pública líquida e 70% da dívida pública bruta brasileira é doméstica. Adverte: “Uma moratória sobre essa dívida devastaria a economia de seu país”.

Como boa parte da dívida é em moeda estrangeira ou a ela vinculada, qualquer movimento nas taxas de câmbio causa extrema vulnerabilidade. Foi o que vimos com as recentes altas do dólar. Isso causa, também, imensa pressão sobre o setor privado brasileiro, endividado no exterior. Adverte: “Uma dívida elevada, boa parte dela vinculada a moedas estrangeiras, e majoritariamente detida por instituições domésticas, taxas de juros em disparada e uma moeda em queda profunda representam uma combinação letal”. Considera insuficientes o crescimento econômico estimado e o superávit primário planejado.

Aponta a Lula opções: aceitar que as pessoas que detêm o dinheiro não confiem no presidente do Brasil, dar de ombros e decretar uma moratória. Isso criaria uma imensa confusão, o sistema financeiro seria devastado, o crédito se esgotaria e a economia despencaria a uma profunda recessão. Quem sabe moratória só sobre a dívida externa, combinada com controles de câmbio? Isso causaria a inadimplência do setor privado brasileiro que está endividado no exterior. O crédito comercial desapareceria e o Brasil seria uma economia sob estado de sítio. Outra opção seria aderir aos planos já acertados com o FMI, que abriu ao Brasil crédito de US$ 30,4 bi. Michael Mussa, ex-economista chefe do Fundo, considera esse um “compromisso insustentável” e diz que o Brasil precisaria de improváveis US$ 120 bi. A terceira alternativa seria a mais ousada. Dada a autoridade única de Lula, deveria afirmar a verdade de que as maiores vítimas de uma recessão induzida por uma moratória seriam os próprios trabalhadores. Num Brasil com uma carga tributária elevada como a nossa, deve ser possível elevar o superávit fiscal primário para uns 6% do PIB, como fez a Turquia, sem prejudicar os pobres. O custo dessa atitude seria bastante inferior ao de uma moratória. Lula deveria convencer as instituições domésticas a rolar a dívida a taxas razoáveis de juros. Deveria persuadir os países desenvolvidos a solicitar que seus bancos fizessem o mesmo. Aconselha que selecione uma equipe de profissionais respeitados para o seu governo e considera “lastimável que tenha decidido não reconduzir o esplêndido Armínio Fraga à presidência do Banco Central”.

Conclui que o novo presidente pode manter o rumo definido por FHC, que provavelmente conduzirá a uma moratória. Ou pode fazer da restauração da confiança nas finanças brasileiras a sua prioridade suprema. Aconselha esta última alternativa, não porque seja uma boa escolha, mas porque é a menos pavorosa. “É preciso fazer do Brasil um país de crescimento estável e finanças públicas sólidas. Só com base nisso o senhor poderá ajudar os pobres. Governar é escolher. Escolha bem”, conclui Martin Wolf.

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