Risco de desnacionalização

Não bastou a Companhia Vale do Rio Doce ter comprado em 2006 a Inco do Canadá por US$ 18 bilhões de dólares, tornando-nos o país emergente segundo-maior investidor no estrangeiro. Com essa aquisição, a sociedade ficou com apenas 60% dos seus ativos no Brasil.

Neste momento, a Vale está negociando por 70 a 90 bilhões de dólares a mineradora anglo-suíça Xstrata, que está no quinto lugar entre as grandes do mundo, atrás da BHP Billinton, Vale, Rio Tinto e Anglo American. Para concretizar o negócio, a Vale planeja tomar emprestado 50 bilhões de dólares, prazo médio de 3 anos, de 10 a 12 bancos, dentre eles o BHP Paribas, Citigroup, Crédit Suisse, Lehman Brother, Santander e Royal Bank of Scotland. Os 50 bilhões de dólares serão pagamento à vista aos acionistas da Xstrata. O restante do pagamento seria coberto com a emissão de 1,2 milhões de novas ações preferenciais da Vale, no valor de 30 a 40 bilhões de dólares, a serem transferidas aos donos da mineradora.

Diversos jornais de ampla circulação têm explicitado os detalhes dessa estapafúrdia transação, que aumentaria a participação alienígena já possuidora de mais de 50% do capital da Vale, começando com a venda, em 2001, de 31,17% de suas ações ordinárias na Bolsa de Nova York pelo governo do presidente Fernando Hen-rique Cardoso, que privatizara a estatal em 6 de maio de 1997 por ridículos R$ 3,3 bilhões. Atualmente, está avaliada em R$ 120 bilhões. A propósito, cabe lembrar que, por ocasião da privatização da Vale, para afastar o receio de que esta viesse a desinteressar-se pela área de pesquisa, foi feito um acordo BNDES e a ex-estatal, pelo qual o banco disponibilizaria R$ 500 milhões para atuação conjunta com a Docegeo, subsidiária voltada à pesquisa, a fim de se empenharem na procura de novas riquezas minerais.

Nunca se soube da condução dessa sociedade Vale-BNDES, a Docegeo parece ter sido desativada e a Vale silenciou quanto a descobertas de ouro, cobre, zinco, níquel e outros minérios.

Imaginem se os US$ 18 bilhões de dólares que a Vale investiu no Canadá, os US$ 70 a 90 bilhões de dólares que pretende torrar na Xstrata, e os US$ 2 a 6 bilhões que cogita enterrar na Colômbia fossem gastos na exploração de minérios no Brasil, ou se associando para atrair conglomerados industriais da China, Coréia, Japão, Estados Unidos que agregassem valor à nossa matéria-prima, atualmente exportada como simples commodity.

A Vale se expandiu para 40 países depois da privatização e – se for concretizada a compra do século – a antiga ?jóia da coroa? vai ter a maioria de seus ativos e bens lá fora e percentual altíssimo de acionistas internacionais. É relevante mencionar que o governo federal é detentor de ação golden share, que lhe dá poderes para vetar operações dessa característica. Ademais, a Previ do Banco do Brasil e outros fundos de previdência de ex-estatais dominam (com 49%) as ações ordinárias da Valepar, controladora da Vale, integrada também pela BNDESPAR (11,5%), que absorveu no tempo do presidente Carlos Lessa as ações do Fundo dos Funcionários da Vale, garantindo a presença estatal na companhia. A japonesa Mitsui detém 18,3% e a Bradespar 21,2%.

Há que se louvar o dinamismo a competência empresarial e política do presidente da Vale, sr. Roger Agnelli (indicado pelo Bradespar), que através de firmas coligadas foi o campeão financeiro na campanha presidencial de Luiz Ignácio Lula da Silva, o segundo na de Geraldo Alckmin e contribuiu com dinheiro para eleição de 160 deputados federais. Na última semana, ele convidou o presidente Lula para jantar em seu apartamento no Rio de Janeiro, e o chefe da Nação deslocou-se especialmente para o evento, que teve como comensal o governador Sergio Cabral.

Certa vez, o sr. Roger Agnelli me telefonou amavelmente para a Cia. Cacique de Café Solúvel, onde exerço funções executivas, pedindo licença para dar explicações sobre o programa de trabalho da empresa que preside, objetivando esclarecer algumas atividades. Nessa oportunidade, eu lhe falei que me considerava um ?ombudsman? da Vale, como representante auto-nomeado do povo brasileiro. Disse-lhe que enaltecia a operosidade de sua gestão, mas que eu continuaria a expor minhas idéias sobre uma companhia criada por Getulio Vargas em 1942, e construída com o suor de nossa gente durante 55 anos, sempre que considerasse certas condutas perniciosas ou inconvenientes aos interesses nacionais.

Agora, digo: é inconveniente a Vale adquirir a Xztrata por 70 a 90 bilhões de dólares! A Vale deve espalhar essa dinheirama no território nacional, depositário de extraordinárias reservas minerais. Pensem quantos empregos acrescentaríamos, como subiria o nosso Produto Interno Bruto (PIB), qual seria a expansão de nossa receita cambial. Vale obtém lucros fabulosos (acima de R$ 12 bilhões/ano) e deve remunerar devidamente seus acionistas, porém seus majoritários investimentos precisam ser direcionados para o Brasil, retribuindo o que a natureza nos prodigalizou e o trabalho profícuo do nosso povo.

Léo de Almeida Neves é membro da Academia Paranaense de Letras, ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo