Algumas contradições que marcaram o discurso de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva continuaram nos discursos de seus principais assessores, pronunciados no dia seguinte, quando tomou posse a equipe de ministros. Como se constituíssem uma colagem, vê-se agora, as palavras do chefe abrigaram um pouco da vontade de cada colaborador, indo da doutrina de José Dirceu, o ministro-chefe da Casa Civil, até a poesia pouco compreensível do ministro Gilberto Gil, da Cultura, que brindou a nação com expressões como “do-in antropológico”, “semiodiversidade”, “transulturativas” e outras alheias à compreensão de “primitivos contemporâneos” que o aplaudiam.
Enquanto o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, deixava claro que não será tutelado pelos movimentos sociais, mas que, também, não moverá uma palha para sufocar manifestações pela reforma agrária (que o presidente Lula quer em respeito à propriedade produtiva), o ministro Cristovam Buarque declarava que, no caso da Educação, a ordem é “acelerar e dobrar à esquerda”. No Ministério da Assistência e Promoção Social, Benedita da Silva se declarou Che Guevara e prometeu “endurecer sem perder a ternura”.
No Meio Ambiente, Marina Silva entende que a militância deve se sobrepor ao governo, pois “cumprir com a obrigação é muito pouco”, enquanto Ciro Gomes fechava o caixa do Ministério da Integração Nacional para balanço: nenhum contrato será pago nos próximos trinta dias em nome da ordem de “não transigir em matéria ética”. Assessores seus preparam, entretanto, o renascimento da Sudene – a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste, fechada recentemente em nome da contenção da gastança.
Na Previdência Social, o ministro Ricardo Berzoini anuncia uma meta tão importante quanto por ora improvável: reformar o sistema ainda este ano. Ele quer realizar imediatamente o que o PT contribuiu para impedir: um sistema único, sem essas vantagens concedidas ao pessoal do serviço público que cavam um rombo impagável todos os anos. Direitos adquiridos, entretanto, serão respeitados, mesmo que signifiquem privilégios na visão dos demais contribuintes. O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, breca o processo de escolha da definição do padrão tecnológico da televisão digital, mas quer internet de banda larga em todas as escolas; o do Trabalho, Jacques Wagner, quer retirar o projeto de reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) do Congresso para começar tudo de novo; a ministra Dilma Roussef, de Minas e Energia, anuncia revisão das tarifas da energia elétrica para “eliminar toda possibilidade de apagão”. Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, quer os artistas a serviço da promoção do made in Brazil, enquanto Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura, sorri com o programa Fome Zero: é a oportunidade para produzir mais comida e gerar mais empregos.
Foi no discurso do ministro Antônio Palocci Filho, da Fazenda, e no do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que as atenções maiores se fixaram. O primeiro expressou “compromisso inadiável com o crescimento” sem a provocação de “bolhas de crescimento econômico a partir de uma permissividade perigosa com a inflação”. O desafio maior, entretanto, seria “a construção de um país mais justo” com a “retomada do crescimento econômico”. Dirceu, com o tom ideológico de sempre, disse não ter medo de pronunciar a palavra “revolução social”, pois o compromisso que vê mais alto é “aperfeiçoar, desenvolver e radicalizar a democracia brasileira”, com um novo contrato social, onde a defesa do interesse nacional, a produção, o desenvolvimento do País tenha como contrapartida a distribuição de renda, a justiça social e a eliminação da pobreza e da miséria.