Após anos de tramitação no Congresso Nacional, a Emenda 45, de 2004, trouxe para a Constituição de 1988 alterações na área do Poder Judiciário. O que pretendia ser uma reforma acabou mero acréscimo de alguns artigos.
A principal inovação foi, sem dúvida, a criação do Conselho Nacional de Justiça, previsto no artigo 109-B da Carta Magna. É possível dizer que o Poder Judiciário do Brasil se divide em antes e depois do CNJ. Hoje existem políticas públicas no Judiciário, projetos de pesquisas, estatísticas, metas e uma Corregedoria que apresenta resultados. Pode ser apontado um equívoco aqui ou ali, mas, inegavelmente, o CNJ presta um grande serviço à nação.
Contudo, em dois aspectos a reforma não resultou em avanço, mas sim em retrocesso. O primeiro deles é o fim das férias coletivas nos Tribunais de segunda instância. O segundo, a nova forma de preenchimento de vagas do quinto constitucional. Vejamos.
Nos Tribunais, desde o Brasil Colônia, as férias dos desembargadores eram janeiro e julho, meses em que ficava uma Turma ou Câmara de plantão. A revisão do texto (CF, art. 93, XII) acabou esta prática, forçando-os a tirar férias em qualquer mês do ano. Um leitor menos atento concluirá: foi bom, é um absurdo os desembargadores gozarem 60 dias de férias. Errado. Simplesmente porque tudo continua como antes, todos os desembargadores continuam gozando 60 dias de férias, só que em meses variados.
Só que desta triste inovação, cujo foco, repito, não é o fato das férias serem de 60 dias, mas sim a época em que são gozadas, resultam várias conseqüências.
Os desembargadores, em vez de gozar férias em janeiro e julho, agora gozam em meses alternados, distribuídos ao longo do ano. Disto resulta: a) em boa parte do ano a Turma ou Câmara reúne-se com juiz convocado e sua jurisprudência pode ser uma em agosto e outra em setembro; b) as convocações desfalcam a primeira instância; c) há Tribunais que entendem que não se pode convocar um juiz por 30 dias, porque a LOMAN fala em convocação por período superior a 30 dias e disto resulta que há Turmas ou Câmaras que ficam sem julgar nada um mês; d) há licenças médicas que, cumuladas com férias de outro desembargador, inviabilizam as sessões; e) há Tribunais em que um desembargador de férias, por falta de colegas para completar o quorum, comparece e julga em determinada sessão, gerando na parte, que desconhece este problema, suspeita de que o fez para proteger o adversário; f) dificultou as férias de advogados que, principalmente em janeiro, não se preocupavam com sessões nos Tribunais; g) estendeu para a Justiça Estadual o recesso judiciário existente na Justiça Federal (20.12 a 06.01) e com isto aumentou os dias de inatividade no Judiciário, com maior atraso no andamento dos processos.
O outro problema é a nova forma de escolha do quinto constitucional, ou seja, o provimento de um cargo nos Tribunais de Apelação (TJs, TRFs e TRTs) para um advogado ou um agente do Ministério Público, para cada quatro cargos ocupados por promoção de juiz de carreira.
Trata-se de prática introduzida no Brasil pela Constituição de 1934, conforme art. 104, § 6º. Uns dizem que Getúlio Vargas colocou tal dispositivo para que os Tribunais tivessem visões diferentes. Outros afirmam que seu objetivo era menos nobre, que apenas desejava ter pessoas de confiança nas Cortes. Nunca se saberá a real intenção e isto, passados quase oitenta anos, pouco importa.
Nada tenho contra o quinto constitucional. No transcorrer deste longo período de tempo, muitos oriundos da OAB e do MP deram grande contribuição à Justiça. Não só nos julgamentos, como na área da administração. O problema é a forma de indicação.
Até o ano de 1988 os Tribunais indicavam três nomes e os Governadores escolhiam um. O sistema funcionava bem. Regra geral eram advogados consagrados, professores de destaque, gente da melhor qualidade. Em 1988 a Constituição alterou a regra de escolha. No art. 94 estabeleceu que os profissionais serão indicados em lista sêxtupla dos órgãos de representação da respectiva classe, após o que o Tribunal fará uma lista tríplice e o chefe do Poder Executivo nomeará um. E aí começaram a surgir os problemas.
Candidatos com antecedentes penais, currículos fracos, alguns reprovados em vários concursos para a magistratura, criação por um Tribunal de Justiça de entrevista com os interessados, listas rejeitadas por Tribunais. Um desgaste enorme para as instituições e para os indicados.
O consagrado advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, com a experiência de mais de 40 anos de advocacia, em artigo denominado “Magistratura não é emprego”, jornal Estado de São Paulo, 2.4.2008, A2, afirmou:
“Na verdade, a Ordem pouco ou nada avalia, pela simples razão de que o critério que impera é quase exclusivamente o político. Quem for amigo do rei entra na lista, quem não for, bem, esse deve aguardar a próxima gestão. A escolha transformou-se em disputa eleitoral. Pede-se voto, cabala-se, grupos são organizados a favor deste ou daquele candidato. As lideranças testam o seu prestígio. Mas se nota que há um requisito precedente e inafastável: o candidato deve pertencer ao grupo político da situação ou este deve querer cooptá-lo”.
No Ministério Público a situação é um pouco diferente. Os interessados devem inscrever-se, manifestar expressamente o seu interesse. No momento que assim agem, dentro de suas instituições eles passam a ser pessoas que, nelas, não despertam mais interesse. Afinal, se o Procurador quer ser Desembargador, razão não há para que seja eleito ou indicado para órgãos de direção, nem mesmo para banca de concurso. O risco é grande. Uma vez inscrito pode não ser lembrado ou escolhido para nada, e daí terá que retornar às atividades com pouquíssimas possibilidades de novas experiências. Resultado, o número de interessados é cada vez menor.
Em suma, estas duas alterações constitucionais não contribuíram em nada para o aprimoramento do Poder Judiciário. Seus idealizadores, certamente bem intencionados, poderiam ter a nobreza de reconhecer o erro e auxiliar na restauração do sistema anterior.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado, professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR e assessor-chefe da Corregedoria Nacional de Justiça. Artigo publicado originalmente no Conjur.