A eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara dos Deputados foi uma surpresa. O moto dessa reviravolta no pleito foi o desejo da maioria dos parlamentares de dizer não às imposições e ao autoritarismo do Executivo, que se acostumou a empurrar pela goela do parlamento o que bem entende.
O Congresso parece cansado da política do rolo compressor; relutante em continuar aceitando a interferência de um poder em outro; e disposto a pôr um basta na prática de o governo legislar por medidas provisórias, camuflando uma forma de governar indiscutivelmente ditatorial. Considerando-se aqueles motivos, a eleição do deputado Severino Cavalcanti foi um progresso.
Mas, por trás disso haviam interesses menos confessáveis, como a promessa do eleito de conceder um enorme aumento de vencimentos para os parlamentares e uma majoração expressiva para suas verbas de gabinete. Prometeu comprá-los com o nosso dinheiro.
Esse aumento encontra base legal, pois iguala os ganhos dos parlamentares aos que serão pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal. E isto é constitucionalmente previsto. Mas não tem base moral, em especial agora que se anuncia que Lula oferecerá ao funcionalismo público um microscópico reajuste de 0,1%. E o IBGE demonstra que tanto ricos quanto pobres estão ganhando menos.
A vitória de Severino, sob este aspecto, é uma manobra espúria. E, levando-se em consideração as primeiras declarações do novo presidente da Câmara, já no exercício do cargo, se mostra um retrocesso. Propõe seis anos de mandato para Lula e os presidentes e demais chefes de Executivo que forem doravante eleitos. É razoável pensar-se em mandatos mais longos para os chefes de Executivo. O que é inadmissível, e Severino prega, é a prorrogação do mandato de Lula e dos demais já em curso. O povo outorgou-lhes um mandato com poderes e tempo definidos. Ninguém, salvo o próprio povo, tem poder para modificar essas condições. A prorrogação de mandatos seria uma usurpação de poder que só o cidadão pode outorgar.
Severino também se manifesta contra a autonomia do Banco Central. Outro retrocesso, pois a autoridade monetária dela precisa para ficar indene às interferências políticas, como acontece nos países desenvolvidos. A eleição na Câmara Federal, que poderia ser um basta ao autoritarismo, foi um lamentável retrocesso.