A sociedade brasileira e a comunidade jurídica em especial continuam sobressaltada com os novos problemas que estão sendo criados pela Lei dos Crimes Hediondos, não chegou ainda ao consenso de que esta lei precisa ser abrandada em todos os seus terríveis aspectos draconianos que não tem conseguido atingir os objetivos para os quais foi criada, diminuir a violência e a criminalidade.
Partindo-se de uma problemática simples pode-se estabelecer que uma Lei que suprime a progressão de regime no sistema penitenciário, só pode como clara conseqüência aumentar o tempo de residência dos condenados nos estabelecimentos penitenciários, e por essa causa é que estamos com todos os presídios desde país desumanamente lotados.
Assim desde as simples cadeias públicas até os mais diferentes estabelecimentos penitenciários brasileiro, simplesmente não dispomos de mais vagas para acolher a massa humana carcerária que ali expia seus delitos. Mas como o Poder Judiciário continua a pleno vapor aplicando essa malsinada Lei, nem medir suas conseqüências, o próprio sistema judiciário faz as suas vítimas, fruto do alcance da indiscriminada aplicação de uma lei genérica e horrorosa.
Os juízes criminais são pessoas que possuem acentuado senso de humanismo desde a sua formação acadêmica, seu pendor profissional e ao longo dos anos sua experiência revela que a maior demora do apenado nos estabelecimentos penais, poucas vezes contribui para melhorar personalidade do condenado, sendo não raras, as vezes em que isso até piora consideravelmente.
As cadeias superlotadas, com os presídios apresentando sua lotação máxima esgotada e ainda a necessidade de alojar mais condenados, geralmente o dobro ou o triplo dessa capacidade, o que os tornam insuportáveis; a maior parte vinculada aos crimes ditos hediondos, assumindo posições de verdadeira catástrofe, sem que a sociedade como um todo, mostre maior grau de preocupação ou qualquer generosidade com esse aviltante problema, que esta afeto diretamente ao Ministério da Justiça e aos Poderes Executivos.
Na atual gestão a reação do senhor ministro foi sumamente contraditória, ao mesmo tempo em que fazia com que fosse aprovada, às pressas, sem maiores estudos e discussões, uma rigidez maior dentro do penitenciarismo brasileiro, com um RDD, regime especial diferenciado, que permite algumas posturas cuja constitucionalidade merecerão estudo mais adequado, iniciou um debate a respeito do tema crimes hediondos -mas se limitou, tristemente, a só isso, e não mais terçou armas, como achamos que deveria, para remover essa lei hedionda.
Como o problema não tem sido enfrentado com a seriedade que merece, começamos a nos deparar com rebeliões seguidas nas cadeias públicas e penitenciárias, exatamente pelo que a Lei dos Crimes Hediondos, mais produz, que é o excesso da população penitenciária, porque impede qualquer progressão de regime no cumprimento das penas.
Não se pode por a culpa exclusivamente no Poder Executivo, mas há de se lamentar, até quando continuaremos a ver a perda inútil de preciosas vidas humanas por causa de uma vaidade excessiva acobertada por laivos de ódio que foram os móveis que permitiram que essa legislação tão desumana quão injurídica pudesse ser estabelecida via de Lei devidamente produzida pelo Congresso Nacional.
Nesse cenário de muitas tragédias, surgem as mais recentes, o caso do juiz Livingsthon José Machado, da Vara de Execuções Criminais de Contagem, que mandou soltar presos que não mais cabiam nas cadeias de distritos policiais, sujeita a sua fiscalização e em contraponto a preocupante atitude tomada pelo egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cuja cúpula houve por bem afastar esse nobre Juiz de suas funções, temerosos de que ele aumentasse a liberação de presos nas mesmas condições e merecendo por isso os holofotes de toda a ?mídia? nacional que como se sabe é frontalmente contrária a atitudes desse tipo.
Para complicar ainda mais, a respeitada Associação dos Juízes Mineiros vem a público hipotecar solidariedade a este Magistrado, insatisfeita com a atitude pouco compreensiva adotada pelo Tribunal de Minas Gerais e ensejando oportunos debates que deveriam ter sido promovidos pelo Ministério da Justiça através de Congressos e Seminários de Penitenciarismo que aquela pasta deveria ter promovido, há muito tempo, a respeito da superlotação dos presídios e as alternativas viáveis para contê-lo, quando essa famigerada lei assumiria posição de destaque, tal a importância do assunto.
Não dá mais para continuarmos dessa maneira, apenas assistindo a esse deplorável estado de coisas que piora ainda mais a Defesa Social, com o aumento da violência e da criminalidade, uma vez que essa Lei n.º 8.072/90 que data de mais de 10 (dez) anos e já era hora de avaliarmos concretamente os seus eventuais benefícios e contrapor os malefícios causados, para, com absoluta seriedade optarmos pela sua total erradicação do mundo jurídico.
Mas a vida judiciária está cheia de eventos como esse, que tem causado péssima repercussão social, já se não bastasse essa questão ocorrida em Minas Gerais, o egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua douta Câmara Criminal, vem de denegar o pedido feito por Iolanda Figueiral, uma ex-bóia-fria, paciente terminal, vítima de câncer no ovário e intestinos, presa por traficar pedras de ?crack? que pedira para lhe ser concedido o direito de morrer com plena dignidade em sua casa, e teve negada essa possibilidade humanitária, porque a douta Câmara Criminal se baseou em que seu processo se dera pela prática de crime tido na legislação como hediondo!
Esses são dois casos que mereceram grande destaque na ?mídia? envolvendo discussões jurídicas, religiosas e filosóficas, em que o direito humanitário, fica mais uma vez envergonhado com as soluções que são tomadas a partir dessa draconiana legislação que pune os chamados crimes hediondos.
A ?mídia? cumprindo seu papel noticiou os fatos, com ampla cobertura e as posições antagônicas se multiplicaram, no caso do Juiz Mineiro, muitos defendem a rígida postura do Tribunal de Minas que afastou aquele magistrado, sob o forte argumento de que o Juiz não pode descumprir a lei, pena de se instaurar o caos; outros rebatem dizendo que a Justiça não pode ser cega e que entre seus poderes cautelares o Julgador esta investido de adotar a melhor solução que atenda precipuamente aos fins sociais a que ela se dirige, e fundamentalmente às exigências do bem comum, como quer a lei de introdução ao Código Civil, e também aos princípios humanitários fixados pela nossa Constituição Federal no art. 1.º inciso III, que manda se preservar, sempre e sempre a dignidade da pessoa humana.
Nesse mesmo sentido uns aplaudem o Tribunal de Justiça paulista, que mantém-se irredutível ao não permitir que a paciente terminal, morra com dignidade em sua casa, porque segundo entende, o exemplo teria péssima repercussão, embora a mesma, ao que consta, ainda não tenha sido definitivamente julgada e a lei dos crimes hediondos não permite que os chamados substitutivos penais lhe sejam aplicados, assim terá que esperar na penitenciária onde se encontra o desfecho do processo que não se sabe quando ocorrerá.
Esses dois casos emblemáticos permitem ver que a Lei dos Crimes Hediondos, continua produzindo seus nefastos efeitos, com as soluções que preconiza, sem que se tenham tomado por parte dos Poderes competentes uma iniciativa de humanidade que vise coibir seus péssimos resultados porque não conteve a violência nem diminuiu a criminalidade, antes continua exacerbando ânimos e impondo custos pesadíssimos a uma sociedade que atônita procura desesperadamente caminhos que acenem com possibilidades de suavizar esses males, todavia o resultado apresentando é contraproducente.
As soluções apenas legalistas que se procuram adotar, na verdade esta fincada no problema básico e fundamental, a discussão a respeito dessa intolerável lei e seus efeitos, que precisa urgentemente ser removida de nossa legislação, pena de continuarmos a pagar em vidas humanas e repetir um rol interminável de tragédias também humanas que a cada dia mais se vem acentuando.
Nilton Bussi é advogado e professor da UFPR.
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