Operários, arquitetos especializados em áreas como a cenotecnia, acústica e reverberação, restauradores, engenheiros e técnicos da Prefeitura participam de uma das transformações mais esperadas no centro da cidade: o prédio onde funcionou a Capela do Colégio Santa Maria e a edificação onde estão as salas que um dia foram da escola, no cruzamento das ruas Conselheiro Laurindo com a Marechal Deodoro, está em obras.
O espaço será utilizado pela Camerata Antiqua de Curitiba, orquestra fundada em 1974 que hoje, neste gênero, é a mais importante do Brasil. A Camerata vai utilizar o espaço tanto para os seus ensaios quanto para as apresentações de música erudita. Futuramente, outros espetáculos de música popular e teatro poderão ser realizados porque tudo é pensado para que a sonorização, a luz e o palco possam ser adaptados para as apresentações.
A restauração e adaptação acontece num espaço de pouco mais de quatro mil metros quadrados no prédio que tem dois mil metros quadrados de área e faz parte do Projeto Marco Zero, da Prefeitura de Curitiba. A obra só é possível porque pelo menos 30 empreendedores adquiriram cotas da transferência de potencial construtivo, mecanismo que permite a recuperação de Unidades de Interesse Especial de Preservação (UIEP). Pela sua importância histórica, a Capela do Santa Maria é uma das nove UIEPs da cidade. Nesta etapa dos trabalhos a obra custa R$ 2,5 milhões e deve ser concluída em fevereiro do ano que vem.
Como a Sala São Paulo
A edificação da capela propriamente representa as construções das décadas de 20 e 30 e será um teatro para as apresentações da Camerata. O nível do piso será rebaixado para garantir um pé direito de 11 metros. "Assim como a Sala São Paulo, na antiga Estação Júlio Prestes deu vida nova à Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Capela do Santa Maria vai dar à Camerata Antiqua de Curitiba o lugar que ela merece, com salas para os seus ensaios e um belo teatro para as suas apresentações", compara o arquiteto que comanda a equipe de profissionais e restauradores, Cláudio Forte Maiolino.
O prédio lateral – voltado para a rua Marechal Deodoro, onde estão as salas de aula, também fazem parte da transformação. Os desenhos das faixas decorativas que ainda podem ser vistas no alto das paredes serão mantidos. Nelas é possível perceber a presença dos desenhos florais, característicos de uma época em que a indústria já os disponibilizava prontos. Os moldes são reproduzidos e serão novamente usados nas salas. "Como foram feitas em molde, não são obras de arte. Podemos reproduzir os desenhos e não se trata de falso histórico", justifica Maiolino. Quanto ao conjunto da capela, o especialista faz questão de destacar, "é obra de arte".
Elementos originais retirados das paredes da capela, que já naquela época eram feitos de gesso, também estão sendo reproduzidos. Uma das salas em obras é usada como oficina onde os desenhos são analisados cuidadosamente. Sobre os modelos são feitos, de silicone, os moldes que funcionam como o negativo de uma fotografia. Depois, são encomendados para que possam ser repostos no mesmo local onde estavam. É o que vai acontecer com os ornamentos em gesso existentes na capela, anjos e os nichos onde foi o altar e os que guardavam as imagens. Todo este trabalho consiste no que os especialistas chamam de restauro de ambientação.
"Estamos resgatando o ambiente que havia neste local. Há um valor histórico extremamente importante marcado pelo tipo de trabalho utilizado naquela época, mas há também um valor estético na idealização de cada elemento", diz a restauradora e professora, Nancy Valente.
Ela conta com paixão que para realizar o trabalho faz questão de se imaginar dentro da edificação na época em que foi construída por quem a planejou e pelos que utilizaram aquele espaço. "Gosto de penetrar no ambiente, transitar no espaço num momento de criação, de uso e de esplendor da construção", afirma ao relatar que o faz com facilidade.
Os modelos usados na pintura decorativa mostram o poder econômico dos que construíram o prédio já que os moldes precisavam vir de fora. As folhas de acanto, planta de difícil manipulação pelos espinhos que tem, e as rosas, que representam, segundo ela, um grande feito, podem estar relacionadas com as dificuldades enfrentadas na construção. "Mas podem ter a ver com o processo de educação", diz Nancy ao fazer uma leitura simbólica da filosofia dos que planejaram a construção. "Esta é uma importante leitura que podemos fazer agora, no momento da restauração", completa.
No miolo da quadra, por trás das salas e da própria capela, vai ressurgir uma praça de cerca de 1000 metros quadrados, que provavelmente foi pátio da escola. Revitalizada, a praça terá nova iluminação, um novo desenho no piso que ainda é de peti-pavé e será interligada à rua permitindo livre passagem ao cidadão que quiser usar este espaço.
Potencial construtivo
A venda do potencial construtivo é usada na recuperação de prédios de importância histórica para a cidade. Edificações que são consideradas ícone entre as Unidades de Interesse de Preservação (UIP) passam a ser Unidades de Interesse Especial de Preservação, ou seja, antes de ser uma UIEP, o prédio deve ser uma UIP. São UIEPs a Catedral Metropolitana de Curitiba, a Sociedade Garibaldi, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Reservatório do Alto São Francisco, Ministério Público do Paraná, União Paranaense de Estudantes, Sociedade Beneficente Treze de Maio, Fundação Cultural de Curitiba e a Capela do Colégio Santa Maria.
A Capela do Santa Maria foi doada para o Município de Curitiba pelo Walmart na implantação de uma das suas unidades. Depois de homologar a sua transferência de UIP para UIEP, a Prefeitura criou um fundo especial e, com base na área a ser restaurada, passou a captar recursos para garantir a realização da obra, que só puderam começar depois que todo o recurso estava no fundo da UIEP. Os empreendedores que compram as cotas das UIEPs podem aumentar o seu potencial construtivo dentro dos critérios definidos pela legislação.