Aceitar, não aceita. Mas o que fazer? Seria mais ou menos essa a resposta do contribuinte à pergunta feita pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, na volta das férias dos ministros da corte, dos demais tribunais superiores e dos juízes e desembargadores de todos os tribunais estaduais. Aurélio, que ficou trabalhando no recesso de julho, acha que a magistratura, assim como o Ministério Público, poderia cortar as férias pela metade – isto é, um mês e basta – assim como ocorre com os trabalhadores deste País.

Tem argumento de sobra para isso. O principal deles é o sempre alegado entupimento dos tribunais, que torna a Justiça mais lenta do que ela deve ser. Como se sabe, tem processo saindo por todos os buracos de qualquer tribunal ou vara. Com tanto trabalho pela frente, como descansar em paz? Além das férias de dois meses, magistrados gozam dos recessos regimentais de fim de ano (só aí mais uns 15 dias), da Semana Santa, do Carnaval, sem contar, é claro, as emendas de feriados que a todos aproveita, mais os específicos da Justiça. Com o descanso dos titulares, folgam geralmente também os auxiliares e, de acordo com o próprio Marco Aurélio de Mello, o fato constitui “legítima reivindicação” dos servidores que “querem gozar de folga semelhante à garantida por lei aos magistrados”. E o pior é que “eles acabam pegando uma carona”, observou o presidente do STF. Assim, igualando tudo, acaba-se com essa incômoda reivindicação…

Marco Aurélio com certeza sabe o tamanho da polêmica que está a suscitar. Será muito difícil ele encontrar alguém – um ao menos – que o secunde na tese-tabu, já balbuciada alhures sem a menor ressonância dentro da categoria. Mas eis aí o mérito da proposta. Nem que seja para atingir outros objetivos, ela tem o mérito de tocar numa questão que incomoda, por tratar-se de um diferencial sobre os demais cidadãos, que já não contam com outras garantias constitucionais específicas, como a inamovibilidade, a irredutibilidade de salários e a vitaliciedade. Freqüentemente transformado numa espécie de líder sindical da categoria quando se trata de discutir salários, o presidente do STF sabe que certas prerrogativas funcionam como privilégio. E todo privilégio gera um contencioso desagradável. Como agüentar a crítica de emperramento, reclamar de excesso de trabalho e, ao mesmo tempo, esticar as férias?

É importante que se observe que a proposta é consentânea com uma nova postura que nasce dentro da magistratura, que quer aproximar o Poder Judiciário do povo para tê-lo como aliado, inclusive, em suas nobres causas em defesa dos princípios democráticos. Sublinhe-se que o advento da informática, sem sombra de dúvida tornou mais leve o ofício de julgar, pelo menos na parte que se refere à execução da parte braçal de um trabalho que continua eminentemente intelectual.

Entretanto, para atenuar reações seguras à nossa posição de defesa às considerações do presidente do STF, vamos concluir por dizer que o importante nisso tudo é que o Poder Judiciário encontre uma forma de resolver o problema dos milhares de processos que dormitam sobre mesas, nas estantes, arquivos e nas escrivaninhas sem resposta ou solução. Alguém já disse que uma Justiça assim morosa não merece o nome.

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