Não foi exatamente uma surpresa, pois os rumores eram abundantes, mas governos, meios econômicos e analistas da política energética, em particular da área de gás e petróleo, foram sacudidos pelo decreto do presidente da Bolívia, Evo Morales, nacionalizando a produção de hidrocarbonetos e ordenando a ocupação por tropas do Exército dos 53 campos de produção de gás e petróleo operados por empresas estrangeiras. Fonte do governo brasileiro revelou que o presidente Lula fez o possível para convencer Morales a desistir da decisão, sem êxito. As principais empresas que atuam em território boliviano, no setor de gás e petróleo, são a Petrobras, Repsol YPF (Espanha e Argentina), British Gas e British Petroleum (Reino Unido), Total (França), Dong Wong (Coréia do Sul) e Canadian Energy (Canadá). As empresas atingidas já falam em levar o assunto à Organização Mundial do Comércio (OMC).
O governo convocou ontem reunião de emergência, em Brasília, para a primeira avaliação da medida, a princípio considerada pelo presidente da estatal brasileira, José Sérgio Gabrielli, ato unilateral e inamistoso, de confisco, ?cujas conseqüências poderão ser dramáticas?. A Petrobras atua na Bolívia desde 1996 e investiu cerca de US$ 1,5 bilhão na implantação da estrutura física de exploração de gás natural e petróleo, além de US$ 2 bilhões para viabilizar o transporte do gás para o mercado consumidor brasileiro. A empresa opera nos dois principais campos de gás bolivianos, sobre uma reserva estimada de 64 bilhões de metros cúbicos, ou 10% do total do país.
Ao anunciar a nacionalização da produção de hidrocarbonetos, o presidente Evo Morales enfatizou a chegada do ?dia histórico? em que a Bolívia retomou o absoluto controle sobre suas riquezas naturais, garantindo que o ato significa o início da resolução dos problemas econômicos e a geração de novas oportunidades de trabalho para a população carente. País mais pobre da América do Sul, 70% dos bolivianos vivem em condições de pobreza extrema. A partir de 2007, a Bolívia receberá cerca de US$ 780 milhões anuais oriundos da produção e comercialização de petróleo e gás natural.
O decreto estabelece que 82% do total da produção passam a ser propriedade da YPFB (a estatal do setor), e 18% para amortizar custos operacionais e remunerar as multinacionais, segundo o Ministério dos Hidrocarbonetos, percentual suficiente para atender esses requisitos. As empresas terão 180 dias para dizer ao governo se aceitam ou não os termos impostos pelo decreto. Contudo, o discurso de Morales não deixa margens a dúvidas quanto ao destino dos insatisfeitos: a saída do país. Gabrielli, de pronto, afirmou que nenhuma empresa sobrevive com o percentual arbitrado e, que à Petrobras não interessa a condição de mera prestadora de serviços.
A Bolívia produz atualmente 400 mil barris diários de petróleo e possui reservas de 48,7 trilhões de metros cúbicos de gás natural, superada no subcontinente apenas pela Venezuela, com o triplo desse potencial. O Brasil importa da Bolívia 25 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, mas a Petrobras garantiu que o abastecimento não será afetado porque o transporte do produto é regido por contrato específico.
Primeiro problema de política exterior e relações econômicas bilaterais com semelhante gravidade a ser equacionado pelo governo Lula, o anseio da sociedade é que a experiência comprovada da diplomacia brasileira, nesse momento conturbado, dentro do estrito código de relacionamento entre nações amigas, faça valer os parâmetros de conciliação e respeito à soberania.