Em uma reunião com sete alunos da graduação, orientandos em Direito Ambiental, uma acadêmica relata um acórdão que, ao seu modo de ver, era injusto, e conclui dizendo “deu-me vontade de largar tudo e ir fazer artesanato na Ilha do Mel”.
Fiquei surpreso. Afinal, a decisão era de um respeitado Tribunal de Justiça e eventual equívoco na conclusão, sem nenhuma suspeita de parcialidade, não representava nada de mais grave. Afinal, as pessoas pensam de forma diferente e como juízes são pessoas, nada mais normal que divirjam entre si ou de terceiros.
Como penso que professor não ensina só Direito, mas, acima de tudo, o que é a vida, dei a minha opinião. Observei que essa decepção não justificava qualquer desistência, que um acórdão adverso é rotina na vida de qualquer profissional e que a luta continua.
Na verdade, essa e todos os outros jovens enfrentarão um mercado de trabalho disputado, decepções com pessoas que admiram, problemas pessoais, doença, violência, um filho antes da hora, enfim, as dificuldades que a vida nos apresenta. Boa parte deles, protegidos por pais permissivos, não têm a menor ideia do mundo real. E daí, no primeiro obstáculo, batem em retirada, dizem-se desiludidos.
Não é esta a melhor posição. Pais, principalmente os pais, devem orientar, mostrar as dificuldades e ensinar como superá-las. Professores vocacionados também podem mostrar que algo errado não é o fim dos tempos e como superar os obstáculos.
A vida do profissional do Direito é luta, do começo ao fim. Conseguir um bom estágio nem sempre é fácil. Passar no exame da OAB é um grande desafio. Colocar-se na advocacia exige muito estudo, disciplina e relacionamento humano. Passar em um concurso público é renunciar a prazeres por três ou mais anos. Ter sucesso na carreira abraçada é outra coisa, muito diferente da aprovação, pois exige dedicação e equilíbrio emocional.
Mas a diferença entre o que reage de forma positiva (pró-ativo) e o que se entrega ou reage com violência (reativo) é que fará a diferença. Participando de três bancas para juiz federal substituto, lembro-me de candidatos que chegaram ao oral, foram reprovados e voltaram no concurso seguinte, conseguindo aprovação. E lembro também de uma moça, procuradora de um município, que lamentei ver reprovada, porque me parecia ter um perfil adequado à função. Tempos depois perguntei por ela e disseram-me: ela desistiu, ficou ofendida com a reprovação naquela prova oral. Uma reação inadequada, da qual resultou uma só vencida: ela.
O bem reagir chama-se resiliência, palavra pouco conhecida e que agora entra na área de recursos humanos das empresas.
Ensina Ari Lima que “Segundo o Dicionário Aurélio, resiliência é a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora da deformação elástica. O termo resiliência foi adaptado ao comportamento humano para definir nas pessoas sua capacidade de superar dificuldades, vencer adversidades e se recompor de uma situação difícil ainda mais fortalecida” (http://www.algosobre.com.br/carreira/a-importancia-da-resiliencia-na-gestao-de-carreira.html).
Portanto, resiliente no mundo jurídico é quem suporta uma situação de flagrante injustiça, de pressão, de sofrimento, e consegue dela tirar proveito. Vejamos alguns exemplos, extraídos da vida real.
Era uma jovem inteligente, que no ano de 1980 classificou-se em primeiro lugar em um concurso para promotor de Justiça. A posse foi-lhe negada, sob o argumento de que, sendo o marido juiz na capital e tendo o dever de morar no local de seu trabalho, ela não poderia ir para o interior, percorrer os degraus da carreira. Não se entregou. Propôs mandado de segurança e saiu-se vencedora. Assumiu, passou por todas as promoções. Anos depois, pelo quinto constitucional, assumiu como desembargadora do TJ local. É uma vencedora.
Era juiz federal, cerca de 30 anos de idade, no tempo do regime militar. Sua mulher foi presa, acusada de dar apoio a comunistas. E ele foi preso também. Por nove meses amargou o confinamento. Além disto, perdeu o cargo. Ao ser posto em liberdade, inscreveu-se na OAB, advogou, tornou-se doutor em Direito e publicou livros. Anistiado, voltou à Justiça Federal e foi promovido ao TRF, onde exerceu a presidência, como sempre, com sucesso.
Homem maduro, funcionário do terceiro escalão de uma sociedade de economia mista, não era rico, mas tinha um bom padrão de vida. Vítima de uma acusação infundada, foi despedido sem direito a aviso prévio. Com família a sustentar. Estudante de Direito, reforçou os estudos e especializou-se na área previdenciária. Realizou-se plenamente como profissional, tornou-se muito rico e pode encaminhar bem os dois filhos. Se tivesse ficado na companhia, teria um destino bem pior.
Na mão inversa, os exemplos são mais fáceis. É um juiz que se sente sempre injustiçado pelo Tribunal e passa os dias cansando os outros com suas reclamações, por vezes retroagindo até o concurso de ingresso e, jovem ainda, anuncia que não aceitará mais promoções. É o agente do MP que, com dois anos de exercício, acredita ser o único remanescente da honestidade e por isso não mede esforços para instaurar inquéritos civis contra todos os que lhe estejam próximos, reclamando furioso quando um juiz independente lhe nega uma liminar. Com isto cria mais adversidades e mais negativas. É o advogado que, sem esclarecer bem a causa de sua decepção, larga tudo para trabalhar na locadora de vídeos de seu tio e, quando indagado sobre a razão da retirada, faz uma cara de mistério, como se soubesse fatos graves que o obrigaram a abandonar tudo.
Em poucas palavras, o operador do Direito, seja qual for a profissão escolhida, terá dificuldades no caminho. Superá-las com otimismo, analisar a ocorrência, ver se não contribuiu para o problema e aproveitar a lição que dela possa extrair, é forma de superação e crescimento. A resiliência será o fator principal do sucesso.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado, professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR e assessor-chefe da Corregedoria Nacional de Justiça. Artigo publicado originalmente no Conjur.