Resíduos de serviços de saúde Inconstitucionalidade da resolução Conama 358/2005

Atualmente a problemática dos resíduos de serviços de saúde é regida pelas Resoluções 306/2004 da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e 358/2005 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente, publicada no Diário Oficial da União em 04.05.2005), como resultado de uma harmonização entre os dois órgãos colegiados.

Observe-se que a referida harmonização entre Anvisa e Conama significa a unificação das preocupações ambientais com as de saúde pública. Todavia, as Resoluções divergem quanto ao prazo de adequação: a Resolução 358/2005 do Conama estipula o prazo de dois anos (art. 28) para adequação às medidas, criando alternativas para o descarte dos materiais. Assim, o prazo previsto na Resolução 358/2005 expira em 04.05.2007.

Por outro lado, a Resolução da Anvisa prevê no artigo 5.º que os serviços em funcionamento, abrangidos pelo Regulamento Técnico têm prazo máximo de cento e oitenta dias, contados de 07.12.2004 para se adequarem, tendo o prazo expirado em 07.06.2005.

A regulamentação com relação ao processamento e destinação dos resíduos de serviços de saúde atende à Política Nacional do Meio Ambiente, no que se refere aos resíduos sólidos e aos compromissos assumidos pelo governo brasileiro no Congresso e na ECO 92.

A urgência na regulamentação da matéria justifica-se ante o crescente aumento de especialidades e à complexidade dos procedimentos e tratamentos médicos, ao uso de novas tecnologias, equipamentos, artigos hospitalares e produtos químicos, sem contar ainda o manejo inadequado dos resíduos gerados, tais como a queima a céu aberto, disposição em lixões, entre outros.

Tecidas as considerações iniciais, com o fim de em rápidas palavras dar ao leitor uma noção do panorama atual com relação aos resíduos de serviços de saúde, passa-se doravante ao comento específico da Resolução 358/2005 do Conama.

A despeito da incansável atuação e contribuição inestimável do Conama para a defesa do meio ambiente, vozes importantes têm se manifestado no meio jurídico nacional no sentido de criticar esta atuação do órgão colegiado por entenderem que suas atribuições têm sido extrapoladas, chegando a exercer funções legislativas que não lhe competem, através de resoluções.

Tais protestos não podem ser ignorados, pois partem de vozes expressivas do Direito Ambiental Brasileiro, como Paulo Affonso Leme Machado, Rui Carneiro, Paulo de Bessa Antunes e José Afonso da Silva, entre outros não menos importantes.

Como exemplo, cite-se a opinião do brilhante José Afonso da Silva que se posiciona no sentido de que a utilização de resoluções no lugar de leis constitui-se em resquício do período do regime militar, quando era praxe atuar-se na área ambiental por meio de resoluções e portaria devido à facilidade quanto à sua criação e alteração.

O Conama integra o Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente), conforme dispõe o ?caput? do artigo 6º da Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), dispondo o inciso II do mencionado dispositivo legal acerca de sua natureza jurídica: órgão consultivo e deliberativo. Dispõe ainda com relação à finalidade do órgão: assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo diretrizes de políticas para o meio ambiente e recursos naturais e ainda deliberar, sempre no âmbito de sua competência, acerca de normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado essencial à sadia qualidade de vida.

Da leitura do texto legal mencionado vislumbra-se a importante função do CONAMA, que constitui-se em função normativa, cabendo ao órgão a edição de normas e padrões ambientais através de resoluções.

Em se tratando de órgão da Administração pública, os atos praticados pelo Conama – sempre no interesse público são atos administrativos, que nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello constituem-se em [ …] declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes como por exemplo, um concessionário de serviço público), num exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

As resoluções do Conama constituem-se, portanto, em típico ato administrativo, estando atreladas indissoluvelmente à lei.

Por outro lado as resoluções, segundo define Verônica Bezerra Guimarães são atos administrativos de caráter normativo infralegais emanados de autoridades da administração pública que não o chefe do Poder Executivo e têm por finalidade estabelecer normas sobre o modo de cumprimento da lei.

Bandeira de Mello, laconicamente, define as resoluções como a fórmula pela qual são expressas as deliberações dos órgãos colegiados.

Não se pode olvidar que os atos praticados pelas autoridades no exercício de suas atribuições devem obedecer estritamente os ditames da lei, em respeito ao princípio da legalidade, a respeito do qual assim se manifesta Odete Medauar: ?O princípio da legalidade expressa a conotação administrativa do Estado de Direito. Na sua concepção originária, vincula-se à separação de poderes e a todo o conjunto de idéias que historicamente significaram oposição às práticas do período absolutista.?

Como já afirmado, admirável o trabalho do Conama no esforço de proteção ao meio ambiente. Todavia, muitas vezes através de suas resoluções extrapola sua competência, donde decorrem ilegalidades e inconstitucionalidades, prontamente combatidas tanto na esfera administrativa como na judicial, haja vista o grande número de ADINS questionando as resoluções do Órgão.

Com efeito, as resoluções mostram-se mais dinâmicas, por não estarem adstritas aos trâmites do processo legislativo ordinário no tocante à aprovação, alteração e revogação, mas este fato não se presta a justificar excessos, que causam insegurança jurídica aos destinatários da norma, bem como aos operadores do direito.

As normas editadas pelo Conama sob forma de resoluções, embora tecnicamente de valor indiscutível e de extrema pertinência não têm o poder cogente das leis, emanadas do Poder Legislativo, seja Municipal, Estadual ou Federal, estando portanto vulneráveis a questionamentos quer administrativa quanto judicialmente, como já dito.

Importante frisar que a crítica que se faz visa ao aspecto da vulnerabilidade das resoluções do Conama (cujo trabalho só merece reconhecimento), mas os aspectos da legalidade e constitucionalidade constituem ponto fraco das referidas resoluções.

Notas:

1 MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito Ambiental Brasileiro. 13. ed. rev.atual.e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005.

2  CARNEIRO, Rui. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

3  ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Nacional do Meio Ambiente  PNMA  (Comentários à Lei nº 6.938/81, de 31 de agosto de 1981). Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.

4  SILVA, José Afonso da . Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. rev., 3.tiragem. S.Paulo: Malheiros, 1998

5  MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 16. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

6  GUIMARÃES, Verônica Bezerra. A Aplicação do Direito Ambiental no Estado Federativo. In: Coleção Direito e Racionalidade no Mundo Contemporâneo. Org. KRELL, Andréas J. Coord. MAIA, Alexandre de. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.

7  MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

Vera Cecília Gonçalves Fontes é advogada, especialista em Direito Ambiental pela Universidade Estadual de Maringá, mestranda do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Estadual de Maringá, área de concentração Tutela de direitos supra-individuais. E-mail: cfontes@teracom.com.br

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