No tempo da teoria causalista (TC) (final do século XIX e começo do século XX) o fato típico era enfocado só formal e objetivamente e era composto de: conduta voluntária (neutra: sem dolo ou culpa), resultado naturalístico (nos crimes materiais), nexo de causalidade e adequação à letra da lei. Com a teoria finalista (TF) de Welzel (que preponderou até à década de sessenta, do século XX), o fato típico passou a contar com dois aspectos: o objetivo e o subjetivo. O dolo e a culpa passaram a integrar a tipicidade. Seus requisitos, portanto, eram: conduta dolosa ou culposa, resultado naturalístico (nos crimes materiais), nexo de causalidade e subsunção do fato à letra a lei.
Com a teoria constitucionalista do delito (TCD) que estamos subscrevendo, o fato formal e materialmente típico é composto de um aspecto formal-objetivo (quatro primeiros requisitos), outro normativo (quinto requisito) e um subjetivo (sexto requisito). Para que haja fato típico se requer: 1.º) conduta humana voluntária (realização formal ou literal da conduta descrita na lei; concretização da tipicidade formal); 2.º) resultado naturalístico (nos crimes materiais – exemplo: homicídio); 3.º) nexo de causalidade (entre a conduta e o resultado naturalístico); 4.º) relação de tipicidade (adequação do fato à letra da lei); 5.º) Resultado jurídico desvalioso, que implica uma ofensa: a) objetivamente imputável à conduta (leia-se: criação ou incremento de um risco proibido penalmente relevante e objetivamente imputável à conduta); b) concreta ou real (lesão ou perigo concreto ao bem jurídico); c) transcendental (afetação de terceiros); d) grave (significativa); e) intolerável e f) objetivamente imputável ao risco criado pelo agente (imputação objetiva do resultado jurídico, que significa duas coisas: 1) conexão direta do resultado jurídico com o risco proibido criado ou incrementado; 2) que esse resultado esteja no âmbito de proteção da norma); 6.º) Nos crimes dolosos, ainda se faz necessária a imputação subjetiva.
O juízo de tipicidade, nos sistemas da TC e da TF, era meramente subsuntivo (formalista). Tipicidade penal era igual a tipicidade formal-objetiva (ou tipicidade legal, isto é, adequação da conduta à letra da lei). No sistema da TCD a tipicidade penal exige além da subsunção formal da conduta (tipicidade formal-objetiva), a efetiva lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido, a criação ou incremento de um risco proibido relevante assim como a imputação objetiva desse resultado (tipicidade material). Logo, impõe-se a presença da tipicidade legal ou formal-objetiva (subsunção da conduta) mais a tipicidade material-normativa (imputação objetiva do resultado).
Tipicidade penal (de acordo com a teoria constitucionalista do delito) significa, portanto, tipicidade formal-objetiva + tipicidade material-normativa. Nos crimes dolosos, ainda se exige a imputação subjetiva. Em outras palavras: tipicidade penal = tipicidade formal-objetiva + imputação objetiva da conduta + resultado jurídico + imputação objetiva do resultado + (nos crimes dolosos) imputação subjetiva.
Nos crimes dolosos, como se viu, além dos requisitos fáticos (tipicidade formal-objetiva) e axiológicos (tipicidade material-normativa) também é preciso constatar a imputação subjetiva (leia-se, o dolo e eventualmente outros requisitos subjetivos). A doutrina finalista salienta que o crime doloso é complexo e dele fazem parte o tipo objetivo (tudo que não pertence ao mundo anímico do agente) assim como o tipo subjetivo (mundo anímico do agente: dolo e outros eventuais requisitos subjetivos). Para a doutrina constitucionalista do delito, melhor e mais sistemático é afirmar que a tipicidade penal é composta da tipicidade formal-objetiva + tipicidade material-normativa + (nos crimes dolosos) tipicidade subjetiva.
Parte da doutrina (a causal-naturalista) incluía o dolo e os demais requisitos subjetivos na culpabilidade. A doutrina finalista inseriu o dolo e os demais requisitos subjetivos no que denominou de tipo subjetivo. Para nós o dolo e outros requisitos subjetivos fazem parte da última etapa da tipicidade, que consiste na imputação subjetiva.
Os quatro primeiros requisitos (que compõem a tipicidade formal-objetiva) eram já admitidos pelo causalismo assim como pelo finalismo. Correspondem à realização formal do fato descrito na lei penal (leia-se: à tipicidade formal). Aliás, compõem a dimensão fática (ou naturalística ou ôntica) do fato típico. São, portanto, sempre imprescindíveis, e devem ficar devidamente configurados na medida em que a tipicidade legal os contemple. Esgotam as dimensões lingüística e fática do tipo penal. Leia-se: a tipicidade legal ou formal-objetiva.
A doutrina penal clássica, para explicar o fato típico, contentava-se com esses quatro requisitos. Só cuidava, como se vê, da dimensão fática ou naturalista do fato típico. Não lhe importava a efetiva lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico (esse lado material do fato típico foi ignorado pela doutrina penal clássica). Não lhe importava, tampouco, a questão da imputação objetiva.
Na atualidade o fato, para ser materialmente típico, do ponto de vista penal (e constitucional), pressupõe ainda uma outra dimensão (além da fática): a material-normativa. E recorde-se que nos crimes dolosos ainda é imprescindível a dimensão subjetiva.
De se observar que a imputação subjetiva só se refere ao dolo (não mais ao dolo e à culpa), porque esta última (a culpa) esgota-se no âmbito dos momentos fático e axiológico. O fato materialmente típico culposo, portanto, possui duas dimensões: a fática e a material-normativa (axiológica). O fato formal e materialmente típico doloso conta com três dimensões (formal-objetiva, normativa e subjetiva) e vários requisitos (formais, axiológico e subjetivo). O axiológico (resultado jurídico desvalioso) se desdobra em seis exigências: resultado objetivamente imputável à conduta do agente, concreto, transcendental, grave, intolerável e objetivamente imputável ao risco criado pelo agente. Em suma: quando se trata de crime doloso material, o fato típico, doravante, exige quatro requisitos formais, seis exigências normativas (axiológicas) e a imputação subjetiva (dolo e outros eventuais requisitos subjetivos). O enriquecimento do fato típico é notável. E isso é muito mais garantista porque a questão da tipicidade pode e deve ser analisada pelo juiz já no limiar da ação penal. Aliás, até em habeas corpus pode-se discutir a tipicidade, para eventual trancamento da ação penal.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista, fundador e presidente da Rede LFG Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina – Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais www.lfg.com.br)
