A renda real das famílias brasileiras subiu 4,5% ao ano entre 1987 e 2003, muito mais do que o aumento anual de 1,5% dos números oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esta tese polêmica, que revoluciona inteiramente a visão sobre os resultados das reformas econômicas liberais e pró-mercado do fim da década de 80 e dos anos 90, está em um recente estudo de dois economistas brasileiros, Irineu de Carvalho Filho e Marcos Chamon, que trabalham no Fundo Monetário Internacional (FMI). O título do trabalho, que não é documento oficial do FMI, é O mito da estagnação da renda pós-reformas no Brasil.

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?A mensagem principal é a de que não houve estagnação naquele período?, disse Carvalho Filho em entrevista por telefone ao jornal O Estado de S. Paulo, da qual também participou Chamon. Os resultados do trabalho são contestados pelo IBGE. Os autores ressalvam que aquele número de 4,5% ao ano, ao qual chegaram por meio de um complexo exercício matemático baseado no porcentual da renda que as famílias gastam com comida, não deve ser tomado como um indicador preciso. ?O que podemos dizer é que, dentro do grau de incerteza que existe, o crescimento foi substancialmente mais alto do que o medido (oficialmente).?

Os economistas explicam que há diversos outros sinais de que a renda das famílias não pode ter crescido tão pouco assim naquele período. Eles citam por exemplo a presença de TVs em cores nos domicílios, que saiu de 57,4% na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 1987 e 1988 para 93,4% em 2002 e 2003, ou a de máquinas de lavar, que saltou de 29,3% para 52,7% no mesmo período

Outro indicador é o fato de que a porcentagem de crianças com altura inadequada para a idade (em grau de gravidade que indica subnutrição) recuou de 14,2% em 1975 para 4,2% em 1989 e 2,5% em 1997, apesar de o salário mínimo ter caído em termos reais neste período de R$ 310,78 para R$ 238,48 e R$ 212,68. Para os autores isso pode ser um sinal de que a correção monetária do salário mínimo foi exagerada. Na verdade, a hipótese que o trabalho levanta para explicar a discrepância entre o aumento da renda real e o consumo é justamente de que a inflação foi superestimada.

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A parte principal do trabalho dos dois economistas está ligada ao consumo de comida. Eles explicam na introdução que uma das constantes do comportamento econômico mais sólidas, de acordo como várias pesquisas, é a redução do porcentual da renda gasto com comida à medida que a renda aumenta. Este fato é conhecido como a Lei de Engel, em homenagem a Ernst Engel, o estatístico prussiano que detectou o fenômeno em 1857.

Com base naquela regularidade, é possível calcular o quanto a renda teria crescido entre a POF de 1987-88 e a de 2002-03. De fato, a proporção de gastos com comida em relação à renda familiar caiu em todas as faixas da população naquele período, com quedas mais fortes nas camadas mais baixas. Entre os 10% mais pobres, por exemplo, os gastos com comida eram de quase 45% em 1987 e 1988, e caíram para pouco mais de 25% em 2002 e 2003.

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Houve uma queda relativa dos preços da comida em relação a outros bens no período, que pode explicar parte da redução dos gastos com alimentação. O trabalho de Carvalho Filho e Chamon desconta este e outros fatores, como a mudança na composição das famílias, ao calcular o quanto a renda teria crescido naquele período.

Eles salientam que, apesar da queda na proporção da renda gasta com comida, o gasto familiar com alimentos aumentou no período. Em valores de 1996, o gasto médio mensal com comida saiu de pouco mais R$ 800 na POF de 1987-1988 para cerca de R$ 940 na de 2002-2003. O estudo mostra que o avanço no consumo no período foi maior para as famílias mais pobres do que para as mais ricas com uma redução da desigualdade maior do que se supunha.