1). Introdução

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           Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 7.824/2010, com vistas a alterar os artigos 126, 127, 128 e 129 da Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), cuidando, basicamente, da remição de pena pelo trabalho e pelo estudo; maneira de se proceder ao abatimento dos dias remidos e perda dos dias remidos em razão do cometimento de falta grave.

            Referidos temas interessam, e muito, para os destinos da execução penal, daí a necessidade, desde já, de análise criteriosa das mudanças propostas.

2). Remição de pena pelo trabalho

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            O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho, parte do tempo de execução da pena.

            A proposta de alteração legislativa não altera o sistema de remição de pena pelo trabalho no que tange a proporção de dias trabalhados para que se consiga o direito à remição.   

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            Para cada 3 (três) dias de trabalho regular, nos moldes do art. 33 da LEP, um dia de abatimento da pena a cumprir.

3). Remição de pena pelo estudo

Não obstante a existência de judiciosas ponderações em sentido contrário, entendemos que se deve conceder remição tomando por base o tempo dedicado ao aprimoramento estudantil.

            A melhor interpretação que se deve dar à lei é aquela que mais favoreça a sociedade e o preso, e por aqui não é possível negar que a dedicação rotineira deste ao aprimoramento de sua cultura por meio do estudo contribui decisivamente para os destinos da execução, influenciando de forma positiva em sua (re)adaptação ao convívio social. Aliás, não raras vezes o estudo acarretará melhores e mais sensíveis efeitos no presente e no futuro do preso, vale dizer, durante o período de encarceramento e no momento da reinserção social, do que o trabalho propriamente dito, e a alegada taxatividade da lei não pode constituir óbice a tais objetivos, notadamente diante da possibilidade de interpretação extensiva que se pode emprestar ao disposto no art. 126 da Lei de Execução Penal.

            Tanto quanto possível, em razão de seus inegáveis benefícios, o aprimoramento cultural por meio do estudo deve constituir um objetivo a ser alcançado na execução penal, e um grande estímulo na busca deste ideal é a possibilidade de remir a pena privativa de liberdade pelo estudo.

            Marcando definitivamente seu posicionamento a respeito, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 341, que tem a seguinte redação: “A frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto”.

            Com vistas a incrementar o estudo formal no ambiente prisional, a Lei n. 12.245, de 24 de maio 2010, acrescentou um § 4º ao art. 83 da LEP, passando a dispor que nos estabelecimentos penais, conforme a sua natureza, serão instaladas salas de aulas destinadas a cursos de ensino básico e profissionalizante   .

    Pois bem. Visando resolver a discussão, uma das inovações saudáveis pretendida com o PL 7.824/2010 é a normatização da remição pelo estudo, já acolhida por boa parte da doutrina e jurisprudência, mas ainda negada por muitos juízes de execução.

    Pela nova redação proposta para o art. 126, caput, da LEP, assegura-se o direito à remição pelo estudo, na proporção de 1 (um) dia de pena a cada 1,2 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias (§ 1º, inc. I).

            Tais atividades de estudo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados (§ 2º).

            Admite-se a acumulação dos casos de remição – trabalho + estudo -, desde que exista compatibilidade das horas diárias (§ 3º), e o preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição (§ 4º).

            Outra previsão louvável com vistas à ressocialização pelo aprimoramento cultural vem expressa no § 5º do art. 126, nos seguintes termos: “O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação”.

4). Quem poderá remir pena pelo estudo

            Segundo o art. 126, caput, do texto proposto, têm direito à remição pelo estudo os presos que se encontrarem no regime fechado ou semiaberto.

            Já, pela redação do § 6º do art. 126, o condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, à razão de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias.

            Mas o PL 7.824/2010 vai além, e passa a propor a possibilidade de remição pelo estudo também em relação ao preso cautelar, ficando a possibilidade de abatimento condicionada, é claro, à eventual condenação futura.

5). Declaração e perda dos dias remidos

5.1.). Declaração dos dias remidos

            Da mesma maneira que hoje ocorre, segundo a proposta legislativa a remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa (§ 8º do art. 126).

            Para tanto, a autoridade administrativa deverá encaminhar mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles (art. 129).

            Ao condenado será dada a relação de seus dias remidos (parágrafo único do art. 129).

5.2.) Perda dos dias remidos

            A perda dos dias remidos encontra-se hoje regulada no art. 127 da LEP, com a seguinte redação: “O condenado que for punido por falta grave perderá o direito a tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar”.

            O rol das faltas consideradas graves no cumprimento de pena privativa de liberdade encontra-se no art. 50 da LEP.

            Doutrina e jurisprudência debatem sobre a possibilidade, ou não, de perda integral dos dias remidos, em razão do cometimento de falta grave.

            Segundo nos,so entendimento, a perda dos dias remidos não viola direito adquirido ou coisa julgada (Renato Marcão, Curso de Execução Penal, 9 ed., Saraiva, 2011).

            Sobre o tema, é de considerar que o Supremo Tribunal Federal já decidiu reiteradas vezes que o sentenciado não tem direito adquirido ao tempo remido, pois o art. 127 da Lei 7.210/84 o subordina a condição do não cometimento de falta grave, sob pena de perda daquele período, e terminou por editar a Súmula Vinculante n. 9, que tem a seguinte redação: “O disposto no artigo 127 da Lei 7.210/84 foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58″.

            Segundo a redação proposta para o art. 127 da LEP, em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57 da LEP, segundo o qual, na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.

            Se o projeto for convertido em lei a regra terá aplicação retroativa, alcançando os fatos ocorridos antes de sua vigência, por força do disposto no art. 5º, XL, da CF.

6). Como se procede ao abatimento dos dias remidos

            É extremamente relevante saber a fórmula que deve ser empregada para o desconto dos dias remidos, pois sobre tal questão existem duas posições, e da adoção de uma ou outra resultará manifesto benefício ou prejuízo ao sentenciado.

           1ª posição: o tempo remido deve ser somado ao tempo de pena cumprida;           

           2ª posição: o tempo remido deve ser abatido do total da pena aplicada.

            A primeira posição apontada é a correta e se revela mais benéfica ao sentenciado (cf. Renato Marcão, Curso de Execução Penal, 9 ed. Saraiva, 2011), mas na prática judiciária, especialmente em Primeiro Grau, não tem prevalecido, o que termina por ensejar a interposição de recursos evitáveis

.           O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou reiteradas vezes nesse sentido, inclusive indicando expressamente nossa forma de pensar.

             Visando por fim à controvérsia, o PL 7.824/2010 pretende dar ao art. 128 da LEP a seguinte redação: “O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos” (negritei).

7). Crimes hediondos e assemelhados

         Na Câmara dos Deputados o texto do PL 7.824/2010 recebeu uma emenda proibindo a remição de pena pelo trabalho ou pelo estudo aos condenados por crimes hediondos ou equiparados.

            A emenda desatende por completo o ideal ressocializador e esbarra em inconstitucionalidade.

            Engana-se aquele que imagina que a remição é um prêmio para o criminoso e que o instituto tem por fim apenas abreviar o tempo de encarceramento.

            É muito mais que isso, conforme cuidamos de enfatizar anteriormente.

            Os autores de crimes graves merecem ainda maior atenção e cuidado por parte do Estado, com vistas a evitar a reincidência. Em busca deste ideal, o aprimoramento pelo trabalho e pelo estudo deve constituir objetivo de primeira grandeza, cumprindo seja repudiada toda e qualquer proposta desestimuladora.

Renato Marcão é Membro ,do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Tóxicos (Saraiva); Curso de Execução Penal (Saraiva), Estatuto do Desarmamento (Saraiva), Crimes de Trânsito (Saraiva); Crimes contra a Dignidade Sexual (Saraiva), Crimes Ambientais (Saraiva); Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas (Saraiva), dentre outros.