A iniciativa do governo de adotar a venda de medicamentos fracionados foi digna de aplausos. Infelizmente, foi. Mas não é mais, porque deu em nada por falta de fiscalização sobre os laboratórios e as farmácias e ausência de uma ampla campanha de esclarecimento. O público em geral não sabe de que se trata e, por isso, não pode exigir os seus direitos. As farmácias, por sua vez, não manifestam interesse em tomar a iniciativa de oferecer, quando têm, e geralmente não têm, remédios fracionados. Os laboratórios, por sua vez, se interessam, por razões de ordem comercial, pela venda de embalagens completas de remédios, com o máximo possível de unidades.
A iniciativa do governo visava facilitar para o consumidor que precisa de uma determinada quantidade de cápsulas ou comprimidos. Assim, seria evitada despesa desnecessária e desperdício das sobras. Se o médico receitou meia dúzia de cápsulas e a farmácia só tem embalagens com 14, haveria fracionamento. O farmacêutico entregaria só seis comprimidos e por estes cobraria. O resto ficaria para venda para outros clientes. Os laboratórios, por sua vez, poderiam fabricar e embalar medicamentos em quantidades mais consoantes ao que os médicos costumam receitar. E mais próximas da capacidade de compra da população.
Os órgãos de defesa do consumidor já acusam a falta de divulgação dessa facilidade e a ausência de uma ampla campanha de esclarecimento. O resultado é que raríssimos consumidores exigem os medicamentos fracionados e muito raramente conseguem realizar a compra, até porque as farmácias não os possuem. Qualquer família brasileira tem em alguma gaveta uma grande porção de embalagens de remédios pela metade, com ainda alguns medicamentos ou quase cheias porque, para o seu tratamento, foram necessários menos do que tiveram de comprar. A idéia de que poderão utilizar os que sobraram mais tarde esbarra em vários obstáculos: numa nova situação, a repetição do uso desse mesmo medicamento pode significar automedicação (sem a indicação médica), o que é perigoso, embora seja um costume generalizado. E os medicamentos têm tempo de validade e é muito possível que, quando um mesmo medicamento seja novamente receitado, o que ainda existe na casa do paciente esteja vencido. Portanto, inútil. E se ingerido poderá causar danos ao doente.
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), diz que os consumidores não pedem medicamentos fracionados, como argumenta a indústria farmacêutica e o comércio varejista, ?porque não foram conscientizados de quanto poderiam economizar?. E acrescenta: ?Se ele pede uma caixa com 12 comprimidos e só tem uma caixa com 14, ele não tem alternativa senão levá-la. Se não tem opção, ele não vai pedir. Mas se as empresas forem obrigadas, de uma forma conjunta, todo mundo vai pedir?.
O comentário vem a propósito de uma nova lei em tramitação na Câmara Federal que é ?uma emenda pior que o soneto?. Pretendem os deputados, e é preciso reagir para que não aprovem o absurdo, que a oferta de medicamentos fracionados à população não seja obrigatória. Assim, agradariam fabricantes e fornecedores, tornariam inócua a providência positiva do governo e os medicamentos fracionados, que na prática ainda não nasceram no mercado brasileiro, seriam abortados. Obrigados, não os fornecem. Liberados, não haverá nenhuma esperança para o consumidor.
