É inquestionável a importância da obra de Maquiavel, haja vista o reflexo provocado na sociedade da época, que repercute até os dias atuais.
No entanto, as opiniões com relação à obra divergem bastante. Enquanto alguns defendem a teoria de que o autor era adepto de práticas inescrupulosas, defendia políticas brutais, outros argumentam que ele discutia política, não moral ou religião, e, dessa forma, era racional, preocupava-se com questões concretas e práticas dos seus dias.
É necessário ressaltar que o autor é um analista político objetivo, um observador moralmente neutro, que rejeita os princípios cristãos em favor da razão, da unidade política e da centralização. Sua obra não possui cunho moral nem juízos de valor.
Há uma incompatibilidade entre a moral cristã e a busca por um governo forte e saudável; são dois códigos de ética diferentes. Maquiavel não deseja contestar aquilo que os cristãos consideram como bom, não procura desmoralizar noções comuns à sociedade, apenas aponta para a impossibilidade de combinar virtudes cristãs com uma sociedade satisfatória (forte, estável).
A humildade cristã não pode ser conciliada com a ambição dos grandes governantes, e os homens precisam de alguém que ordene os grupos que têm interesses diversos e lhes traga estabilidade, segurança e proteção. Daí a necessidade de um Estado forte, administrado por um governante que seja respeitado.
Sugere, ainda, que o temor é uma emoção “saudável”, desde que não se transforme em ódio, pois pode servir como meio de coerção e conservação do respeito por aquele que governa.
A tese gira em torno do princípio de que se uma sociedade sólida só puder ser erigida sobre a conquista, e se a crueldade for necessária a esta, então ela não poderá ser evitada.
A natureza do homem sábio é buscar um governo forte, saudável. Para isso, os homens devem escolher entre os princípios cristãos e os objetivos a serem alcançados, devem compreender como são construídas as instituições duradouras; a sociedade ideal cristã é utópica.
Isso provoca estranheza aos defensores da moral cristã. Porém, talvez estes não percebam que Maquiavelli escreve sobre o governo, ou seja, está interessado em questões da vida pública, em segurança, independência, glória.
Para ele, os homens devem fazer opções entre alternativas incompatíveis na esfera da vida privada e pública. A última tem seus próprios valores: não exige um terror perpétuo, mas aprova ou, pelo menos, permite o uso da força e da repressão onde elas forem necessárias para alcançar os objetivos políticos da sociedade.
Quando tais objetivos forem alcançados e o governo forte já estiver estabelecido, o uso de políticas segundo os moralistas impiedosas, pode fazer-se novamente necessário, a fim de manter a força e estabilidade conquistadas.
É possível inferir que a razão do choque causado pela obra “O Príncipe” não é a descoberta do fato de que a política é um jogo de poder, mas, quem sabe, a divisão entre poder político e teológico, bem como o fato de que fins igualmente últimos podem se contradizer.
Maria Fernanda Loureiro é advogada no escritório Sánchez Rios Advocacia Criminal.