Nos últimos anos, ao folhear os cadernos de imóveis e de construção dos jornais, é comum encontrar anúncios de venda de imóveis em condomínios, sejam verticais ou horizontais, que prometem, como principal atrativo, a tranqüilidade e a segurança que só um empreendimento desse tipo pode proporcionar.
Porém, ao se concretizar, este "sonho" muitas vezes pode se transformar em início de um pesadelo. Seja o condomínio vertical ou horizontal, a tranqüilidade é sempre rompida por barulhos indesejáveis em horas impróprias. Ora é um vizinho que tem como hobby a marcenaria, ora é um morador que passa a se utilizar do espaço de sua moradia para desenvolver ali suas atividades profissionais. O que fazer?
A lei que trata da situação dos condomínios é a Lei 6.491/64. Nela são apresentados os direitos básicos dos condôminos, regulando também a relação entre os vizinhos e a utilização da cada unidade autônoma do condomínio.
O artigo 19 da referida lei permite a qualquer condômino o direito de usufruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados às normas de boa vizinhança. Determina ainda que o condômino poderá usar as partes e instrumentos comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos. Tais direitos também estão previstos na Constituição Federal, artigo 5.º, incisos XXII e XXIII, e artigo 170, inciso III.
O que pode ser verificado na legislação é a idéia de preservar a boa relação entre os vizinhos a fim de que a utilização de cada unidade e das partes comuns do condomínio seja realizada de forma harmônica.
Apesar da lei, que apresenta somente linhas gerais com relação ao funcionamento do condomínio como um todo, o que irá regular de maneira bem específica essas relações é a convenção do condomínio. Para ter validade jurídica, ela deve ter sido aprovada pelos condôminos quando da instituição do condomínio, podendo ser alterada, salvo previsão diversa da convenção, em assembléia geral extraordinária, pelo voto mínimo de condôminos que representem 2/3 do total das frações ideais.
Na convenção haverá a especificação de que forma poderá ser dada a destinação de cada unidade. Ou seja, haverá previsão se as mesmas se destinarem única e exclusivamente para fins residenciais, ou se o proprietário ou eventual locatário poderá dar outra destinação, como por exemplo, o desenvolvimento de atividade comercial.
Vale dizer que o tipo de atividade comercial a ser desenvolvida deve ser especificado na convenção, haja vista que, de maneira geral, apenas as atividades intelectuais são autorizadas. Outras atividades, que necessitam, por exemplo, o recebimento de clientes, descaracterizam o imóvel tido como residencial, e fica configurada a violação à vida privada e à intimidade dos demais condôminos. Em outras palavras, é preciso que a atividade desenvolvida não perturbe, incomode ou constranja os demais moradores.
É importante destacar ainda que há decisões dos Tribunais ressaltando que se o imóvel tido como residencial for utilizado para exercício de atividade comercial não implicará em descaracterização do mesmo, se a atividade desenvolvida não desrespeitar os interesses e direitos dos demais condôminos.
A discussão sobre essa especificidade vem sendo objeto de leis municipais no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador, por exemplo, autorizando microempresas e empresas de pequeno porte a funcionarem na residência de seus titulares, especialmente quando a natureza da atividade for intelectual.
Andrea Terlizzi Silveira é advogada.