Como é de conhecimento de todos que militam na Justiça do Trabalho, pois o debate tem sido intenso, a Emenda Constitucional n.º 45, DOU de 31.12.04, ampliou a competência da Justiça do Trabalho. De positivo, percebe-se que a fomentação da discussão tem ajudado a desvendar a emenda.
O atual inciso I, do artigo 114, da CF dispõe:
Art. 114 Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (g.n.).
Inicialmente, pondera-se que a Associação dos Juízes Federais do Brasil AJUFE ajuizou perante o STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3395, a qual foi concedida liminar, suspendendo toda e qualquer interpretação que inclua a competência da Justiça do Trabalho para apreciar causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores. Não se pode dizer que há uma relação de trabalho entre os servidores estatutários, pois, os mesmos não são contratados e, sim, investidos em cargos públicos criados por lei e regidos pelas normas de direito administrativo.
O referido inciso I menciona a expressão ?ações oriundas da relação de trabalho? e não ?relação de emprego?, portanto, não só o trabalho com vínculo de emprego, mas, também, aquelas relações de trabalho não subordinadas serão de agora em diante apreciadas pela Justiça do Trabalho, como, por exemplo, o trabalhado autônomo e eventual.
Assim, o vendedor autônomo pode ajuizar na Justiça do Trabalho reclamação pleiteando diferenças no recebimento das comissões, não necessitando ajuizá-la na Justiça Comum. Também, na hipótese do vendedor pleitear o vínculo empregatício, pode utilizar o artigo 289 do CPC, formulando um pedido alternativo, ou seja, não se reconhecendo o vínculo, poderá o judiciário analisar o pedido das diferenças das comissões.
O que se pergunta é: será que toda relação de trabalho passou a ser de competência da Justiça do Trabalho? Por exemplo, pode-se argumentar que na hipótese de um diretor eleito de uma sociedade anônima, sendo um mandatário, nomeado com deveres de representação, não há relação de trabalho. E como fica a situação do advogado, pois, também lhe é outorgado um mandato?
Para responder as indagações, um dos critérios apresentados é o da ?pessoalidade na prestação de serviços?, a pessoa não pode ser substituída por outrem, trabalha sozinha, sem colaboração de ajudantes, nesses casos a competência é da Justiça do Trabalho, caso a prestação de serviço se de por pessoa jurídica, esta relação foge ao judiciário trabalhista.
Indaga-se ainda, com a nova competência, o judiciário trabalhista abarcou as relações de consumo e estas estariam incluídas na relação de trabalho?
Observa-se que posicionamentos conflitantes se dão em razão da interpretação dada ao artigo 2.º do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), pois, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço (g.n.). Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (g.n.) (art. 3.º do CDC). Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (parágrafo 2.º do art. 3.º do CDC).
Sergio Pinto Martins(1) analisando o parágrafo acima faz a seguinte afirmação: ?Há, assim, exceção expressa no sentido de não ser serviço, para os fins do Código de Defesa do Consumidor, as relações trabalhistas?. Explica ainda o ilustre juiz e professor, que ?a relação do paciente com o médico em decorrência da operação mal feita, o da pessoa física que faz conserto incorreto de um aparelho eletrônico de outra pessoa. São hipóteses que envolvem relação de consumo e não exatamente trabalho?. Mais adiante acrescenta que o médico poderá postular na Justiça do Trabalho seus honorários pelos serviços prestados ao cliente, pois, nesses casos é uma relação de trabalho.
Há um aspecto importante levantado, em palestra, pelo juiz dr. Flávio Antonio Camargo de Laet(2) que se refere a um aspecto de ordem prática, explica o juiz, que o artigo 5.º, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre a criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo, como as já existentes no Estado da Bahia e do Mato Grosso do Sul, ou seja, vão se esvaziar essas varas ou dividir a competência (produtos e serviços), situações que não se apresentam, sob este ponto de vista, a princípio, aceitável.
Em congresso, Pedro Paulo Teixeira Manus(3) alude que a relação de trabalho da emenda é menos ampla do que se imagina e faz uma advertência para que se estabeleçam critérios que a discipline, recomendando, por exemplo, que o representante comercial, as relações de consumo e o próprio trabalho do advogado, que dispõem de leis específicas e estatuto próprio deveriam continuar na Justiça Comum, ou seja, nem todo trabalho mesmo realizado por pessoa física (natural) cairia na Justiça do Trabalho.
De se observar à posição adotada por Mario Vitor Suarez Lojo(4) quando se refere aos serviços prestados pelos advogados:
?Mas, nos dias atuais, os serviços são prestados pelo advogado (trabalhador autônomo pessoa física), na condição de pessoa jurídica (prestador de serviços). Será que a relação de trabalho transformou-se em uma relação de consumo? O tema já foi debatido em mais de uma ocasião no STJ, prevalecendo à tese, na sua composição atual, de que não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei n.º 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de suas causas ou à utilização de agenciador (arts. 31 § 1.º e 34/III e IV, da Lei n.º 8906/94) evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo. Ressalta-se a existência de decisões admitindo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com ressalvas neles contidas?. O autor do artigo se refere aos julgados do STJ 4.ª Turma Resp n.º 532.377/RJ, Rel. Min. César Asfor Rocha. Julg. 21.8.03, por unanimidade. DJ: 13.10.03, p. 373; Revista dos Tribunais. Vol. 820, p. 228 e ao da 3.ª Turma Resp n. 364.168/SE, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro. Julg. 20.4.04, por maioria, DJ: 21.6.040, p. 215; RDDP. Vol. 18, p. 157, respectivamente.
José Antônio R. de Oliveira Silva(5) analisando o acima exposto comenta:
?Pensamos que, na linha de raciocínio aqui desenvolvida, se o advogado presta serviços de forma contínua, habitual a uma pessoa natural ou jurídica, prestando-lhe serviço toda semana, em audiências, defesas, pareceres etc., haverá uma relação de trabalho para com o tomador dos seus serviços. Caso contrário, se os serviços forem esporádicos, em regra numa única causa patrocinada pelo advogado, não haverá, por mais que se queira, uma relação de trabalho em sentido estrito com o cliente, podendo ser de consumo ou até mesmo de trabalho lato sensu, não se prestando a Justiça do Trabalho para a cobrança de honorários de serviços casuais (…) O critério da continuidade nos ajuda resolver falhas no critério do destinatário final do serviço, utilizado para identificar a relação consumerista, porquanto normalmente a relação de consumo de serviço é ocasional, esporádica, como se dá na relação médico/paciente, cabeleireiro/cliente, mecânico/cliente e tantas outras?.
Para reflexão, o legislador poderia esclarecer o tema na forma prevista do próprio artigo 114, inciso IX, da CF, porém, ressalta-se, ?quisesse o legislador estender a competência para lide estranha ao escopo do Direito do Trabalho, teria feito expressa menção a tal intuito, como procedeu na execução de débitos fiscais e na cobrança das contribuições previdenciárias?(6), podemos, assim pensar, no que se refere ao direito consumerista, que há um ?silêncio eloqüente?(7).
O que se percebe é a necessidade de um norte como recomendado pelo ilustre professor Pedro Paulo Teixeira Manus, pois, não obstante a construção jurisprudencial que está por vir, há que se estabelecer um caminho, portanto, mostra-se necessário um amadurecimento no debate, distinguindo a relação de trabalho de outras relações jurídicas.
Notas:
(1) In Artigo Pub1icado no Suplemento Trabalhista da LTr, ed. N.º. 038/05, com o titulo ?Competência da Justiça do Trabalho Para Analisar relações de Consumo?.
(2) Flávio Antonio Camargo de Laet é juiz substituto da 1.ª Vara do Trabalho de Guarulhos/SP, palestra proferida no mês de maio p.p. na OAB de Guarulhos/SP.
(3) Pedro Paulo Teixeira Manus, Juiz Vice-Presidente Judicial do TRT 2.º Região e professor titular de Direito do Trabalho PUC/SP (45.º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho/SP – LTr).
4) In Artigo Pub1icado na Revista LTr, janeiro de 2005, com o titulo ?A Plenitude da Justiça do Trabalho, pág.103.
(5) In Artigo Pub1icado na Revista LTr, março de 2005, com o titulo ?Relação de Trabalho Em Busca de Um Critério Científico para a Definição das Relações de Trabalho Abrangidas pela Nova Competência da Justiça do Trabalho?, pág. 318/323.
(6) In Artigo Pub1icado na Revista LTr, março de 2005, com o titulo ?A Emenda Constitucional n.º 45 e Algumas Questões Acerca da Competência e do Procedimento na Justiça do Trabalho?, de autoria de Cláudio Armando C. de Menezes e Leonardo Dias Borges, pág. 308.
(7) Flávio Antonio Camargo de Laet, palestra citada.
Vitor Manoel Castan é advogado e professor de Direito do Trabalho da Faculdade Integrado de Campo Mourão/Pr e mestrando em Direito do Trabalho pela PUC-SP.
vitorcastan@uol.com.br