?Não é o ângulo reto que me atrai.
Nem a linha reta, dura, inflexível,
criada pelo homem.
O que me atrai é a curva livre e sensual.
A curva que encontro nas montanhas
de meu país,
no curso sinuoso de seus rios,
nas ondas do mar,
nas nuvens do céu,
no corpo da mulher preferida.
De curvas é feito todo o Universo.
O Universo curvo de Einstein.?
(Poesia de OSCAR NIEMEYER, homenagem ao centenário do mestre)
?Metamorfoses do capital e do trabalho – relações de poder, reforma do Judiciário e Competência da Justiça Laboral? é obra de 2006, nascida do estudo, da pesquisa, da prática e das reflexões filosóficas de Reginaldo Melhado, hoje juiz da 6.ª Vara do Trabalho de Londrina. Anteriormente, em 2003, já havia analisado em sua obra ?Poder e Sujeição?, os ?fundamentos da relação de poder entre capital e trabalho e o conceito de subordinação? (ambas as obras editadas pela LTr). A leitura e o debate de ambas as obras é fundamental para a compreensão do momento de transformações que vivemos.
Trabalho e capital
Na sua primeira obra ?Poder e Sujeição? já anunciava a seqüência da análise, hoje materializada em seu segundo estudo ?Metamorfoses do capital e do trabalho?. Assim, as idéias e propostas contidas no plano inicial, se projetam para conclusões mais interligadas com a problemática das transições que atingem o mundo do trabalho (e do capital). Os operadores do Direito assim denominados genericamente os que operam leis e buscam justiça se debatem com realidades complexas. Se de um lado há significativo avanço nas relações de trabalho diante da inserção qualitativa do trabalhador no sistema produtivo, sobrevivem práticas da exploração do homem como as relacionadas com o trabalho escravo, trabalho infantil, terceirização e precarização, apenas para citar alguns desses elementos da atualidade. No outro lado da rua, veja-se o capital, acumulado e multiplicado, apropriado por pequenos grupos de pessoas, via grandes corporações multinacionais, escorado em tecnologias de produção altamente sofisticadas, sustentado pelo trabalho especializado de milhares de homens e mulheres; mas convivendo com milhões de micro, pequenas e médios empreendedores, a partir da economia familiar, solidária, cooperativa. E a solidez anterior da dicotomia proletário versus patrão, antagônica e finalística, dilue-se, como diria Marx, no ar dos novos tempos do capitalismo globalizado.
Novos paradigmas
Por isso, já em suas primeiras letras, na obra ?Metamorfoses do Capital e do Trabalho?, Reginaldo Melhado acentua: ?Sob o conceito de relação de trabalho estão os modelos tradicionais da exploração da mais-valia, baseados no emprego, e os paradigmas ?contemporâneos? de apropriação do trabalho. O capitalismo do século XXI segue baseado na exploração do trabalho humano, mas ele articulou novas roupagens jurídicas para a exploração da mais-valia. O modelo do contrato de emprego industrial já não lhe bastava. Foi preciso forjar novos paradigmas?. E, logo após, esclarece: ?A sujeição do trabalhador passou a ganhar novos contornos no capitalismo pós-fordista. A apropriação da mais-valia é feita através de processadores eletrônicos, células fotoelétricas, raios infra-vermelhos. É levada a efeito por meio da robótica, da pneumática. É calculada em bits. A subordinação às vezes aparece, outras não. Em muitas ocasiões é imperceptível aos olhos. Noutras, pior, ao próprio espírito?.
Reforma e competência
Na mesma nota introdutória, Reginaldo Melhado pergunta: ?Como essa questão, que diz respeito à economia, à sociologia do trabalho ou à filosofia, pode relacionar-se a um tema de direito processual, como o da competência da Justiça do Trabalho estabelecida na Reforma do Judiciário?? Pois é justamente esta conexão necessária e vital para o entendimento da evolução da relação de trabalho e capital e dos instrumentos institucionais de solução dos conflitos, que dá sustentação à profunda análise contida na obra. Esta a virtude principal da obra de Melhado, que contém a preocupação de buscar nas raízes das transformações metamorfoses, como quer o autor do capital e do trabalho, a projeção das reformas processuais no âmbito da Justiça do Trabalho.
Valor crítico
Personagem da história como presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná e diretor da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, Reginaldo Melhado conseguiu participar diretamente de todos os momentos que se desenvolveram na parte final de aprovação da reforma do Judiciário, atingindo também a Justiça do Trabalho. Sua análise crítica, portanto, tem base concreta, ao escrever: ?A interpretação da Reforma do Judiciário instituída pela Emenda Constitucional n.º 45 foi tímida e conservadora. Não enfrentou o mais grave problema da Justiça no Brasil, a morosidade do aparelho e a falta de efetividade do processo?. E quanto a ampliação da competência, atreve-se a desafiar: ?… A Justiça do Trabalho está diante de seu Rubicão e sua decisão será transcendental. Em síntese, a ela não só a ela, mas a ela antes de tudo e de todos, e fundamentalmente a ela caberá enfrentar o dilema; ser a Justiça do (des)empregado, atada a um paradigma da velha Revolução Industrial, ou a Justiça social, voltada para o universo do trabalho e capaz de defrontar-se com a brutalidade do capitalismo contemporâneo?.
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Pílula da qualidade: A empresa Coteminas S.A., em Blumenau, SC, foi denunciada à Procuradoria Regional do Trabalho pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem de Blumenau, por distribuir, aos seus empregados, um recipiente plástico contendo balas de goma coloridas com uma bula. Eram pílulas da qualidade e recomendadas a pessoas sem comprometimento, que apresentam preguiça exagerada, entre outros ?sintomas?. A entidade sindical entende que tal procedimento afronta os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, caracteriza comprovadamente uma ofensa moral e constitui assédio moral. Segundo o sindicato ?o ato desvaloriza a trabalhadora e o trabalhador têxtil da região e que a empresa deveria envergonhar-se, tamanho o desrespeito constatado?. No rótulo do frasco da ?Pílula da Qualidade? há as seguintes recomendações: ?Indicado às pessoas sem comprometimento que apresentam sintomas do tipo: falta de ânimo, falta de comprometimento, falta de cumprimento do padrão e preguiça exagerada.? Explica que: ?Cada comprimido contém 100% de comprometimento, 100% de determinação, 100% motivação, 100% participação, 100% dedicação e 100% ética e profissionalismo?. Recomenda que o paciente deva tomar uma dose sempre que estiver desmotivado ou descumprindo o procedimento padrão. Além disso, informa que o paciente deve estar determinado a mudar de hábitos e a se comprometer a mudar outros pacientes que precisam de ajuda?. Para a entidade sindical, em sua denúncia, a empresa ?deveria oferecer aos seus trabalhadores e trabalhadoras melhores salários, participação nos lucros, acabar com o rodízio, conceder férias coletivas. Procedendo assim, estaria dando um excelente remédio aos trabalhadores, na busca da qualidade de vida, para como conseqüência, obterem a produtividade e qualidade desejada em seus produtos?.
Convenções da OIT: Um dos resultados concretos da mobilização das entidades sindicais em Brasília, a 5 de dezembro, que reuniu cerca de 30 mil trabalhadores, foi conseguir o compromisso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de enviar ao Congresso Nacional, para ratificação, as Convenções da OIT 151 e 158. A 151 estabelece como princípio de Estado a garantia da negociação coletiva no setor público. A 158 estabelece a garantia de emprego contra as despedidas imotivadas. Finalmente, há o compromisso de estudo para ser viabilizada a participação dos representantes das entidades sindicais dos trabalhadores nos conselhos de administração das empresas estatais federais.
?Contrato de facção?: O juiz do Trabalho Oscar Krost, de Santa Catarina, analisa os contratos de facção e a responsabilidade da contratante por créditos trabalhistas dos empregados da contratada, em artigo publicado no Jus Naviganti. Esclarece que ?por tal ajuste, ocorre a fragmentação do processo fabril e o desmembramento do ciclo produtivo de manufatura, antes setorizado, dentro de uma mesma empresa. Há o repasse a um ?terceiro? da realização de parte (facção) das atividades necessárias à obtenção de um produto final, fenômeno comum no ramo têxtil?. Entende que ?o fato do trabalhador atuar fora do parque fabril da beneficiária final do trabalho não apresenta incompatibilidade com a co-responsabilização desta por créditos trabalhistas gerados em face da contratada, já que a própria CLT, ao reger a relação de emprego ?típica?, regula hipótese de trabalho em domicílio, em seus arts. 6.º e 83. Se dá, tão-somente, a mitigação da pessoalidade, fato igualmente ocorrido na ?terceirização? e nas hipóteses de ?teletrabalho?. No campo normativo, amparam a atribuição de responsabilidade solidária entre contratante e contratada no negócio de ?facção? pelos préstimos dos empregados desta o disposto nos arts. 927, 932, inciso III, 933 e 942, todos do Código Civil?.
Centrais Sindicais: O PLC 88/2007, que legaliza as Centrais Sindicais, voltou para nova votação na Câmara dos Deputados, diante das emendas aprovadas no Senado, em especial a que eliminou a necessidade do trabalhador autorizar o desconto salarial para fins de recolhimento da contribuição sindical. Esta contribuição compulsória será mantida até que venha a ser regulamentada a contribuição negocial derivada dos acordos e convenções coletivas de trabalho.
Nova CLT: A Anamatra e a OAB entregaram comunicados ao deputado federal Cândido Vacarezza (PT/SP) solicitando a retirada do projeto de lei 1987/2007 que pretende reconsolidar a legislação trabalhista brasileira, inclusive a CLT. Segundo a Anamatra, ?não se trata de mera sistematização, mas de discussões jurídicas de fôlego, que permitem ao intérprete hoje, afastar a aplicação dos dispositivos consolidados quando os considera contrários à Constituição?. A Comissão de Direitos Sociais da OAB também elaborou estudo, onde defende a imediata retirada do PL ?a fim de permitir à sociedade e aos operadores jurídicos do mundo do trabalho a possibilidade de um amplo debate nacional da conveniência ou não de uma nova CLT, sempre tendo em consideração a perspectiva de defesa intransigente do Direito do Trabalho (especialmente de suas raízes e dos seus princípios informadores), do Estado Democrático de Direito, das garantias de trabalho digno e justo e no combate das desigualdades sociais?. Relembre-se que o XXIX Congresso da ABRAT, realizado em Recife de 31/10 a 1/11/07, aprovou, a unanimidade, a rejeição e o arquivamento do projeto de lei.
Honorários de advogado: (a) Ementa: ?Honorários advocatícios. Ação de Cobrança EC 45/2004 Art. 114, IX, da CF Relação de trabalho Competência da Justiça do Trabalho. Ampliada pela Emenda Constitucional 45/2004, que conferiu nova redação ao art. 114 da Constituição Federal, a atual competência da Justiça do Trabalho abrange as controvérsias relativas ao pagamento de honorários advocatícios decorrentes da atuação do advogado em juízo, por se tratar de ação oriunda de relação de trabalho estrita, que não se confunde com relação de consumo. Nesta última, o consumidor pleiteia a prestação do serviço. Na ação trabalhista, o causídico é que postula o recebimento dos honorários pelo trabalho desenvolvido. Recurso de revista provido. (Recurso de Revista – TST-RR-763/2005-002-04-00.4, 7.ª Turma, Ives Gandra Martins Filho Ministro-Relator – Publicação: DJ – 19/10/2007). (b) Mérito: Competência da Justiça do Trabalho Cobrança de honorários advocatícios – Nos termos do inciso IX do art. 114 da CF, incluído pela Emenda Constitucional 45/2004, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as controvérsias decorrentes das relações de trabalho. Pode-se definir a relação de trabalho como uma relação jurídica de natureza contratual entre trabalhador (sempre pessoa física) e aquele para quem presta serviço (empregador ou tomador dos serviços, pessoas físicas ou jurídicas), que tem como objeto o trabalho remunerado em suas mais diferentes formas.Assim, essa relação não se confunde com a relação de consumo, regida pela Lei 8.078/90, cujo objeto não é o trabalho realizado, mas o produto ou serviço consumível, tendo como pólos o fornecedor (art. 3.º) e o consumidor (art. 2.º), que podem ser pessoas físicas ou jurídicas; nem com a relação estatutária, regida, na esfera federal, pela Lei 8.112/90, que não possui natureza contratual, mas de vínculo estável entre o servidor público e o órgão estatal, no qual ocupa cargo ou função para prestação de serviço público.O divisor de águas entre a prestação de serviço regida pelo CC,caracterizada como relação de trabalho, e a prestação de serviço regida pelo CDC, caracterizada como relação de consumo, está no intuitu personae da relação de trabalho, pelo qual não se busca apenas o serviço prestado,mas que ele seja realizado pelo profissional contratado.Nesse contexto, o liame entre o advogado e seu representado revela-se uma típica relação de trabalho, na qual o trabalhador, de forma pessoal e atuando com independência relativa, administra os interesses de outrem por meio de mandato, na forma dos arts. 653 a 692 do CC.Assim, que ampliada pela EC 45/2004, conferiu nova redação ao art. 114 da Constituição Federal, a atual competência da Justiça do Trabalho abrange as controvérsias relativas ao pagamento de honorários advocatícios decorrentes da atuação do advogado em juízo, por se tratar de ação oriunda de relação de trabalho. Ressalte-se que, em face do cancelamento da Orientação Jurisprudencial 138 da SBDI-2 do TST, não tendo sido ainda editada uma nova diretriz por esta Corte, resta ao julgador adotar seu posicionamento em cada caso concreto,até que se gere uma nova jurisprudência pacífica sobre a matéria?.
Perguntado como definiria a vida, em uma palavra, Niemeyer não titubeou: ?Solidariedade?.
Edésio Passos é advogado e foi deputado federal na Legislatura 91/94 (PT-PR).
E-mail: edesiopassos@terra.com.br